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15.Abril.2020

O Pássaro de Hélio Nunes


Foi com a imagem do pássaro que canta o amanhã justo, o amor da amada com a sua carga de ternura constante, o desejo de um mundo para o filho sem as marcas amargas do presente, que o jornalista e poeta Hélio Nunes teceu e aconteceu seu canto no único livro publicado de poesia. Com capa de Santa Rosa, Pássaro do amanhã é como canto preso na alma, como diz o poeta, “e ele canta por minha boca.”

helio nunes Esse pássaro canta pelo amor, o sentimento mais belo, pela liberdade, o mais forte, pela ternura, que está na infância, pela solidariedade aos meninos abandonados de rua, aos adultos que estão presos e não têm dinheiro para contratar advogado. Se a esperança veste a ternura com o sorriso da flor, o canto que veste os versos de Hélio Nunes é revestido de palavras que se abraçam como velhas amigas, nutre-se do brilho das estrelas, do enlevo na sua tristeza lírica, como quando o poeta vê o tempo passando enquanto navega em barquinhos de papel da doce infância.

Hélio Nunes produz o poema com este sentimento forte do amor, decorrente de sonhos que propõem a vida com braço ao abraço, sem a escuridão da matéria que prende o dia claro na noite de estrelas apagadas. Mas também marcado por esse desejo de mudanças, que extirpem as desigualdades, as doenças sociais alimentadas com a pobreza para o sobejo das corrupções. Não é uma poesia panfletária, pelo contrário, dotada de linguagem fácil, a ideia nada tem de artificial. Impressiona com o seu grito, sua verdade na palavra escrita com fogo, daí que pode ser lembrada em companhia de poetas do timbre de Thiago de Melo e Moacir Félix.

No antológico poema “Liberdade”, Hélio Nunes diz de seu entendimento sobre o que significa palavra tão cara: O vento corre, corre,/ cochicha pelos roseirais, / pelos caminhos levanta pó, /pelos ares arvora bandeiras / raivosas de espumas. /Liberdade – o vento foi feito para correr. //A águia voa, voa, /traça no espaço azul /audaciosas linhas /de uma geometria que ainda /Einstein não estudou./

Liberdade – a águia foi feita para voar.//Além um homem falava/ de igualdade e justiça./Tinha nos olhos o mesmo brilho/ de uma estrela matutina./Liberdade – o homem nasceu para pensar.

Vê-se assim que poucos poetas trataram o tema com o toque de simplicidade, força verdadeira de versos traçados com sons da alma e cores da vida.

Ele foi um poeta de seu tempo e lugar. Cantou as primeiras aventuras siderais do homem. Ofertou sorrisos e flores à amada Valquíria, a companheira verdadeira, a mulher de fibra e resignada, com ela teve cinco filhos. De dia como jornalista combativo, à noite construtor de devaneios e sonhos. Certo é que o livro Pássaro do Amanhã, há tempos raridade bibliográfica, pelo seu conteúdo lírico, desejos límpidos que não são imposições, cantares que comovem, falares de atualidade até hoje, como obra literária e conteúdo humano calcado na vida sem distorções gritantes merece ser reeditado. Alguns de seus poemas participam da antologia Poesia Moderna da Região do Cacau, (1977), organizada pelo poeta Telmo Padilha.

Natural de Aracaju, Hélio Nunes nasceu no dia 17 de abril de 1931. Fugindo da perseguição policial em 1952, passando por Cachoeira de São Félix, veio fixar residência em Itabuna, onde fundou uma gráfica e o “Jornal de Notícias”, que apresentou em suas páginas uma linguagem diferente do provincianismo de outros veículos de imprensa locais. Foi também professor da Escola de Contabilidade local.

Fez um manifesto sobre a situação deplorável de crianças que dormiam na rua. É o patrono da cadeira 30 da Academia de Letras de Itabuna (ALITA), ocupada pelo médio e escritor João Otávio Macedo.

Perseguido pelo regime militar de 1964, teve que vender a gráfica por preço insignificante. Fez concurso para escrivão e foi morar sozinho em Itororó, naquela comarca distante de sua residência familiar fez-se eficiente funcionário da justiça. Continuou sendo perseguido pelo regime militar, vítima de processos intermináveis, longe da esposa e filhos, oprimido por terrível solidão. Caminhante pelas valas de grande depressão, faleceu vítima de um enfarto.

Podemos dizer que a sua poesia lírica está entrelaçada com a sua própria vida, seus versos refletem o pensamento de quem sonhou por um país humano, sem favelados, crianças anêmicas e bolsões de pobreza, Seu grito não tem o recheio da pieguice, mas nos chega irrompido da dor, da solidão solidária, com o seu caldo de sofrimento e beleza.

Na foto, Hélio Nunes no centro, com Manoel Leal à esquerda e Jorge Amado à direita.

 

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# Artigo do escritor Cyro de Mattos. Ficcionista e poeta, também editado no exterior. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Uesc.

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