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18.Abril.2020

A Poesia Profunda de Telmo Padilha


Telmo Padilha nasceu em Ferradas, em 5 de maio de 1930, quando a vila era um distrito do município de Itabuna, no Sul da Bahia. Faleceu em 17 de julho de 1997, em acidente automobilístico. Iniciou-se no jornalismo em Itabuna, teve passagem na imprensa do Rio de Janeiro, na década de 50, e de retorno à terra natal ingressou na CEPLAC, órgão de assistência e defesa da lavoura cacaueira. Estreou com Girassol de espanto (1956) e deixou inúmeros livros de poesia, com destaque para Onde tombam os pássaros (1974), Canto rouco (1977), Voo absolutoā€¯ (1977), Travessia (1979), O punhal no escuro (1980) e Noite contra noite (1980). Poeta premiado no Brasil e no exterior, portador de um discurso vinculado aos valores universais.

Mariza, Cyro e Telmo

Em Provação (Itabuna, sem data), livro póstumo, Telmo Padilha mostra-se de novo impossibilitado de transmitir o clima lírico do eu sereno ante a adversidade da vida armada pelo fato estúpido, inexplicável, da derradeira verdade. A tragédia ceifa o filho de maneira inesperada, a ruptura causada pelo fato absurdo leva o poeta ao lamento e, ao mesmo tempo, ao debate em que a palavra aflora intensa na dor, emerge das silabas feridas na alma em delírio, do coração que sangra e não fecha.

É dessa provação dolorida, marcada pela ausência definitiva do filho, sempre querido e lembrado, arrebatado do pai pela brutalidade do momento fatal, que o poeta vai empreender seu calvário, servindo-se da poesia para descarregar todas as dores do mundo propostas pela tragédia. Resulta disso pungente canto feito inconformismo e amargura. O sentido lírico da vida sob a ordem da ternura cede aos instantes da dor suprema na forma traumática, de sombras irreversíveis que passaram a povoar o coração, enchendo-o de tormento na hora feita de escombros.

A razão não pode compreender a incoerência posta no relacionamento absurdo entre o viver e o morrer. Carrega-se de dúvidas o eu opinativo do poeta que pende de descrença. Na alma impossibilitada de ter fé. municiada de contrários, o poeta revoltado insurge-se até mesmo contra Deus. Contesta com veemência o ser supremo, fácil de aceitar quando é generoso, difícil de compreender quando instaura o desamor com a morte, protagonista vitoriosa sempre no duelo que trava com a vida. Para ele, trata-se de um criador tirano, que reina absoluto ao bel-prazer, nesse jogo do nascer para morrer enquanto nos dias que fogem nada podemos fazer para modificar o quadro..

O ser humano não devia morrer, quando não se espera lá se foi a vida. De nossa condição trágica, amarga é a lembrança deixada pelo inexorável, depois só a tristeza, e mais nada, como fala o poeta Pessoa. Em tudo, assim sem deslinde, há o destino impelido por forças cegas, que não nos dizem coisa alguma. Não esclarecem, não argumentam com a verdade. A revolta com a perda inesperada do filho tão jovem impõe ao poeta Telmo Padilha que assim pense, provoque-se numa reação compulsiva de quem se acha perdido nas vastidões desoladas do sofrer.

Essa poesia com seu voo em ferida que não fecha registra em certo momento que há transformação em tudo na natureza, embora duro é saber que o ser humano nessa condição de aparecer e desaparecer não mais retorna depois do último suspiro com a forma de carne e consciência, matéria e sentimento. Dessa situação absurda, como na morte que chega inesperada e trágica para o filho jovem, é que o poeta Telmo Padilha escreve em Provação um livro pujante e denso, com versos cheios de desalento, lamento, contestação, gemidos, saudades, lágrima, angústia, solidão.

Quem o lê agora nesse livro póstumo, há de pensar que aqui neste velho mundo estamos para sofrer, somente para isso. Dor é vida. E quando a morte rouba o que mais nós amamos é que sabemos como a dor agarra-se ao delírio.Forja com suas garras impiedosas a confissão que adverte como a pancada fende, faz circular no golpe os gestos do que já não há. Foram-se com o ente querido, a quem se estava ligado pela generosidade da alma e do coração rimando com amor. Vaga-se sem alento no deserto, mas que antes era habitado pelas falas de quem aconselhava, protegia. A separação estúpida se dá sem que se possa atar as pontas do amor com a afetiva condição paterna. A ruptura arrasadora deixa em seu rastro a certeza de que não haverá mais continuidade. A vida cindiu assim seu modo de propagar-se como um fato natural, tornou-se imprópria, já não trescala qualquer tipo de afeto em sua essência de sucessão almejada. O curso natural da existência foi golpeado, tombando pela força obtusa e obsessiva do destino.

Provação é o grito de um pai impotente para fazer algo que o salve e traga de volta o filho abatido em plena mocidade. O coração funde-se veemente com emoção, é arrebatado com um canto só grito, dá vazão a sentimentos que rasgam, trepidam seus cortes na alma aflita, machucam com angústias, devastam sonhos, enredam-se no peito em desespero. Exatamente como se dá no duelo da noite que uiva contra a noite ante a indiferença do tempo.

Assim, desamparado, o poeta comove quando diz ao filho ausente:

Não preciso ir ao lugar onde te encontras/ Para que de ti jamais me esqueça./ Não preciso ir ao lugar onde te achas/ Para lamentar que a vida é nada/ À tua saudade comparada.

Provação é um livro de forte intensidade poética, seus versos impressionam pela carga dramática que transmitem perante o inexorável, imprimem de forma sofrida a leitura do mundo com as dores do homem, sem saída diante da morte.

 

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# Artigo do escritor Cyro de Mattos. Ficcionista e poeta, também editado no exterior. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Uesc.

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