Choque cultural
O objetivo da Morena FM, desde o primeiro dia, era romper com os vários tabús do rádio baiano e alguns do nacional. Um deles era a limitação das emissoras na Bahia, que só tocavam temas de novela, brega (o nome do arrocha na época) e samba reggae. O resto passava batido, quase não tocava.
Ajudado por Vinícius Sansão, que tinha sido programador da FM Transamérica de São Paulo, resolvemos dar um tratamento de choque com duas ações. A primeira era ficar em “fase de experiência” apenas um dia, ao invés de um mês, que era a regra na época em qualquer lugar do Brasil.
Para isso, tudo tinha que estar pronto para entrar no ar logo no dia seguinte, ou seja, programas, programetes, vinhetas, chamadas e comerciais. A Morena talvez tenha sido a única rádio do país a estrear com todo o espaço comercial vendido.
Nos meses que antecederam a inauguração, eu e Carlos Leahy fizemos uma lista de 100 clientes com os quais a gente gostaria de trabalhar. Sim, trabalhar, porque na Morena FM não nos limitamos a veicular. Somos parceiros, ajudando em tudo e dando sugestões até de marketing.
Carlão foi à luta e fechou todos os contratos antes da rádio emitir um som sequer, fruto do projeto inovador e revolucionário para a época e seu talento comercial. Spots gravados, vinhetas prontas, programas definidos… faltava ver como seria o “dia de experiência”.
Eu e Vinícius fizemos uma lista de gêneros que nunca tinham tocado nas rádios daqui, como jazz, instrumental, blues, rock, soul, clássico, latino. Depois os que quase nunca tocavam, como a MPB, o pop internacional, o reggae. Em cima disso, listamos os melhores artistas de cada gênero.
No “dia de experiência” a Morena FM acordou o público com o choque de uma programação só desses gêneros, sem nenhuma música de novela, sem nenhum brega, sem nenhum samba reggae.
A primeira música a tocar na 98 foi Guaicá, um instrumental bacana de Cézar Camargo Mariano.
No outro dia, ainda sob o choque inicial e esperando um mês de experiência, o público foi surpreendido de novo com uma programação completa, cheia de inovações, com locutores trazendo um estilo inédito na região e uma qualidade de áudio nunca ouvida na Bahia.
Ao invés de interromper as músicas a cada 15 minutos para os comerciais, a Morena FM fazia isso a cada 20 minutos.
E o bloco de comerciais não tinha só propaganda, incluindo notícia de hora em hora, a Dica da Morena e programetes de saúde e meio ambiente.
A Dica da Morena rendeu queixas de outras rádios, que cobravam uma taxa de qualquer evento, por menor que fosse, até um voz e violão no bar.
Nós preferimos achar um patrocinador para bancar o espaço e divulgar os eventos de graça. Mexeu no negócio deles...
A notícia de hora em hora, invenção nossa hoje adotada por emissoras no Brasil inteiro, teve resistência dos ouvintes no início.
Acostumados a FM só com música, eles não gostaram da novidade, mas depois se acostumaram e em pouco tempo viramos referência de notícias.
A introdução de um monte de gêneros musicais que o público nunca tinha ouvido também foi vista com desconfiança no começo, mas depois descobriram que adoravam as músicas que, por anos, foram “escondidas” deles pelas emissoras baianas.
A desculpa era que “o povo não quer ouvir outra coisa” a não ser o que tocavam.
Nós provamos que o povo gosta de qualidade, não importa o gênero, nem mesmo a música clássica erudita. Vou falar mais disso semana que vem, com histórias engraçadas dos programas. Até lá.
A rádio Morena FM 98 completou 30 anos em dezembro de 2017, por isso seu fundador, Marcel Leal, conta aqui a história e as estórias da rádio mais ousada da Bahia.
Tweet |