A música “do bar”
A estréia da Morena FM não trouxe apenas mais uma rádio para o sul da Bahia, trouxe uma verdadeira revolução. Uma foi ser a primeira rádio do Brasil a transmitir 24 horas ao vivo.
Até nas capitais as outras encerravam meia-noite ou tinham a madrugada gravada.
Hoje é o normal, mas naquela época virou destaque inclusive nos congressos nacionais de rádio, onde outras emissoras chamavam isso de loucura. Mas não era. Eu me baseava em dados, estatísticas e estudos que mostravam, por exemplo, 20% da população sofrendo de insônia.
Estas pessoas não conseguiam dormir e passaram a ouvir a Morena durante seus cochilos na madrugada.
Elas se somavam a um enorme contingente de boêmios e de pessoas que trabalham de madrugada, desde plantonistas de hospital e vigilantes até motoristas e programadores.
Hoje as pesquisas mostram que a quantidade de gente ouvindo rádio de madrugada é quase igual à da tarde, um enorme contingente de consumidores que antes eram ignorados pelas emissoras.
A Morena FM provou que estavam erradas e domina o horário até hoje.
Uma ousadia que gerou histórias engraçadas foi colocar no ar um programa de música clássica (em uma FM comercial no interior da Bahia… surreal).
O Allegro começou recebendo reclamações dos ouvintes, acostumados a só ter músicas rasteiras.
Mas em pouco tempo o programa ganhou uma legião de fãs, que nos cobram até hoje sua volta (calma, ele vai voltar).
O mais interessante é que este público não se limitava a gente de classe media ou alta, que já tinham tido contato com a música clássica.
Muito pelo contrário. Um dia cheguei na rádio e Cida, nossa relações públicas, me avisou que um grupo do bairro Pedro Gerônimo estava me esperando para reclamar do Allegro.
Já imaginava o pessoal pedindo para tirar o programa e substituir por, sei lá, axé.
Espremidos na minha sala, porque era muita gente, o grupo escalou um para falar o que eles queriam. Não era tirar o programa. Não era substituir por outra coisa. Eles contaram que eram um fã-clube do programa, mas queriam reclamar que “faz tempo que não toca Villa Lobos”.
Minha boca levou meia hora para fechar de novo e, claro, voltamos a tocar Villa Lobos no Allegro. Em outro dia, eu tinha ficado até mais tarde para terminar uma tarefa. Era dia do Allegro e ele já tinha começado. O telefone tocou e eu atendi.
“Amigo, eu queria ouvir aquele bolero que vocês tocam”. Bolero? Que bolero? “O bolero desse tal de Ravé”. Ah, o famoso Bolero, do compositor francês Maurice Ravel, criado em 1928. É um exemplo de como o público, seja qual for a instrução, tem condições de reconhecer música de qualidade.
Outro telefonema que lembro foi de uma senhora pedindo para tocar “aquela música do bar”. Hmm, seria alguma MPB, tipo João Bosco, que era quase obrigatório para os músicos da noite? Não, ela queria ouvir Bach, um dos gênios da música clássica.
O Allegro foi um marco na educação musical do público, assim como o Jazz & Blues, que introduziu a música instrumental e artistas como BB King e Eric Clapton na região; como o Sangre Latino, que trouxe salsa, mambo e ritmos “calientes”.
Ou o Xamêgo da Morena, que pegou um ritmo antes tocado só em junho e o transformou em febre no sul da Bahia, muito antes de ser massificado no país, além de lançar e promover artistas como Cacau com Leite, Mel de Cacau, Forró do Caruá, entre outros.
Na semana que vem, vamos falar de como a 98 foi convidada pelas rádios dos EUA para falar de internet.
A rádio Morena FM 98 completou 30 anos em dezembro de 2017, por isso seu fundador, Marcel Leal, conta aqui a história e as estórias da rádio mais ousada da Bahia.
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