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2 de Abril de 2005

Marcos Bandeira, juiz de Itabuna
"A Detenção era bomba prestes a explodir"

       diz o juiz Marcos Bandeira, "bastava apenas alguém acender o fogo e criar o estopim, o que já foi feito, aliás." Sua previsão foi confirmada após a rebelião da semana passada, que destruiu toda a estrutura e deixou a população alarmada. Há mais de seis anos o juiz vem alertando para a situação carcerária em Itabuna, um problema grave mas esquecido pelo estado.
       Marcos Antônio dos Santos Bandeira ocupa as Vara da Infância e da Adolescência, de Execuções Penais e a do Júri, nesta última batendo um recorde ao realizar, em pouco mais de três anos, cerca de 200 julgamentos.
       Nascido em Bom Jesus da Lapa, se formou aos 18 anos pela Universidade Estadual de Santa Cruz. É o responsável pela implantação de diversos programas sociais, como o de levar o júri para os bairros e a adoção temporária para crianças que vivem nos orfanatos.

A Região - O senhor sempre denunciou os problemas da Detenção, mas nunca foi ouvido, não é?
       É sim e essa rebelião só vem confirmar o que todos já esperavam. Os alertas que sempre fiz infelizmente não tiveram eco e a bomba explodiu. A gente também pensa que os presos não devem ser tratados como objetos que ficam depositados num armazém e esquecidos da vida. Eles são seres humanos com direitos e deveres e por isso devem ser tratados como sujeitos de direito.

AR - O que está errado no tratamento?
       Eu não concordo que a Polícia Civil, que tem a atribuição de fazer investigação criminal, apontar o autor do crime, capturá-lo, reunir elementos para comprovar a materialidade do ato delituosos e depois transformar tudo isso num inquérito para o Ministério Público, tenha a custódia dos presos. Esta é a função da Secretaria de Justiça, que tem toda condição de deslocar para aqui pessoas capacitadas para trabalhar na ressocialização do preso. Por a maior boa vontade que o coordenador da PC em Itabuna, Carlos Nascimento, que tem um compromisso sério com a população e que mudou a cara da Polícia Civil de Itabuna, tenha não vai conseguir mudar o quadro da situação carcerária, porque ele não foi preparado para cuidar de preso. Ele foi preparado para ser policial investigador. A falta de estrutura física da cadeia já vem sendo denunciada há muito tempo.

AR - Houve uma época em que o senhor chegou a interditar a cadeia.
       É verdade, mas naquela época não fomos bem compreendidos. Denunciamos inúmeras irregularidades, desde a situação de corrupção praticada pelos carcereiros até a entrada de tóxicos e de bebida alcóolica, e a saída de detentos para casa. Quer dizer, o preso não estava preso de verdade, os carcereiros desviavam o pão dos presos, cobravam pedágio para usar o telefone ou colocar comida lá dentro, enfim, foram muitas as irregularidades denunciadas há muito tempo.

AR - E o que aconteceu depois das denúncias?
       Nada, porque simplesmente o estado ignorou tudo isso, não tomou nenhuma providência, não afastou nenhum carcereiro e nós recuamos. O Conselho da Comunidade, um órgão que nós criamos em Itabuna, vinha tendo uma atuação brilhante e conseguimos, ao longo de mais de dois anos, de 1998 a 2000, fizer um trabalho de humanização lá dentro, criamos espaços para sala de aula, escolas profissionalizantes e realizamos um fato inédito na Bahia: a eleição para presos provisórios. E não houve nenhum incidente nem rebelião nessa época. Significa o que? Que você começa a levar para os presos um fiapo de esperança e de afeto que dê condição ao preso para que ele erga sua auto-estima, que estava lá embaixo, isso tudo contribui para evitar rebeliões e fugas em massas.

AR - Então o senhor confirma que estado sempre foi omisso nesta questão?
       Nessa área do sistema prisional, eu não tenho a menor dúvida de que o estado não investe nada e o resultado é o que vemos hoje com essa rebelião que, volto a lembrar, já era esperada há muito tempo.

AR - O secretário de Segurança, Sérgio Sá, declarou que o estado tem feito um esforço "sobre humano" para resolver o problema carcerário...
       Eu não ouvi a entrevista, mas acredito que ele esteja encontrando as mesmas dificuldades que todos nós, porque a questão é estrutural. Existe uma política pública e essa política não é voltada para resolver o sistema carcerário no Brasil. Não há interesse em ressocializar e recuperar o preso porque, na minha opinião, isso não dá voto. Nós sabemos que a situação de qualquer preso em nosso país é temporária e ele vai sair cedo ou tarde, porque não temos pena de morte nem prisão perpétua. E quando ele sair da cadeia, com certeza vai sair muito pior do que quando entrou. Dados recentes demonstram que a reincidência em casos de penas privativas de liberdade hoje está em torno de 85% no geral, o que mostra que o estado não investe nesse setor.

AR - O que precisa ser feito?
       O preso, mesmo aquele que perdeu sua liberdade e que esteja literalmente preso, entre aspas precisa de liberdade lá dentro para se locomover, se interagir, se comunicar com outras pessoas, exercer uma atividade, aprender alguma coisa, porque a ociosidade é a semente da maldade e nesse contato que ele tem com outro preso da mais alta periculosidade, vai sair um mestre ou um doutor da criminalidade. Então eu acho que o estado tem essa obrigação de oferecer condições para que sejam introjetados no detento outros valores que lhe permitam sair da criminalidade, que lhe permitam um dia em ser um sujeito útil à comunidade.

AR - Ilhéus tem seu presídio. O que falta para Itabuna ter suas reivindicações atendidas?
       Eu acredito que falta uma política pública, porque Itabuna perdeu a voz em termos políticos, não tem uma voz forte para reivindicar seus direitos. Eu acho que Itabuna está perdendo tudo. Veja o exemplo do fórum, que já estava com quase tudo definido e olha o resultado. Itabuna não tem uma delegacia para menores infratores e é uma grande necessidade, tendo em vista que o município é um eixo rodoviário, o porte da cidade, a violência que estamos enfrentando. Com tudo isso não temos uma delegacia especializada que lide somente com adolescentes infratores. Temos muitas carências nessa área e vivemos fazendo improvisações. Já temos projetos em defesa do menor infrator que estão sendo desenvolvidos em convênio com algumas instituições e com o poder público municipal. Acredito no sucesso deles porque tem as pessoas envolvidas se preocupam com essa causa.

 

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