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7.Junho.2014 Tweet Egnaldo Franca, criador do Encantart e do PreAfro "O jovem achava que não tinha capacidade" de estudar e a gente queria provar que eles seriam capazes, afirma Egnaldo França, idealizador dos programas Encantart e PreAfro. Egnaldo sempre morou no bairro Maria Pinheiro e se incomodava com a falta de rumo dos jovens. Ele foi líder da Pastoral da Juventude da igreja N. S. da Piedade, fazia parte da coordenação diocesana e viajava pelo interior falando de formação da juventude, de politica, de fé e religião. Egnaldo conversou com o jornalista Marcel Leal no programa Mesa Pra 2, da rádio Morena FM. Confira. Já tinha arte no meio disso? Ainda não. Na igreja da Piedade aprendi a tocar percussão e sambão também, quando a gente ia para a praia. Me aperfeiçoei. Naquela época não tinha DVD e eu comprava as fitas do Olodum e Timbalada. Eu escutava as musicas e até hoje sei todos aqueles arranjos. Foi minha escola, já que nunca existiu uma escola de percussão em Itabuna. Tem Sabará como mestre de bateria e os cursos de Cláudio Kron, mas ele foi para a Europa e eu acabei sendo um autodidata. Eu tive formação de dança com Patrícia Galdino, que dava aula pela Ficc. Foi ali que você começou a pensar no Encantarte? A gente não tinha ainda uma ideia do que era o Encantarte. Lembro que um jovem se envolveu com drogas, foi preso, não podia pagar e caiu nas mãos do tráfico. Tive a ideia de chamá-lo para o grupo de jovens. Quando a comunidade viu, teve receio e começou a se afastar. Muitas mães tiraram seus filhos do grupo e a gente não sabia ainda como lidar com esses jovens. Mas eu falava para ele resistir. Se a gente é cristão, a ideia é tentar resgatar o jovem e no caso dele conseguimos. Hoje é um pai de família e um bom padeiro. Quando você organizou o Encantarte? Foi na década de 90, mas o projeto surgiu mesmo a partir de 2000. Os jovens gostam de música, de dança, e eu já tocava percussão. Na comunidade tinha Rosicley, que fazia dança afro e eu percussão. Juntos começamos com aula de percussão e dança. Gradativamente o jovem começou a participar. Um dia na semana a gente se reunia pra discutir varias questões e nos fins de semana tinha aula de dança e percussão. Naquele inicio, você conseguiu ajuda? Enviamos projetos para vários lugares, mas nunca conseguimos um centavo, nem um tambor. A gente nem sabia como ia fazer, porque não tínhamos nenhum instrumento. Em 2001 já tínhamos um grupo formado. Não para cuidar do jovem drogado, mas para orientar para que não se envolvesse. O Encantarte no inicio só atuava com dança? Dança e percussão. O mestre Alfredo dava aula, mas ninguém sabia que ele jogava capoeira. Ele fez um trabalho de formação muito bacana. A gente começou a usar o espaço da igreja, mas houve atrito porque a gente trabalha com dança afro e usávamos tambor. Até o dia em que o padre nos convidou a sair. E eu disse que enquanto não murasse a igreja a gente tocava na frente dela. Mas quando tinha festa na igreja éramos convidados. Quando começou a ter apoio? Em 2002 a gente começou a fazer parte de uma rede da juventude e a Rits (Rede de Informação para o Terceiro Setor) fez um edital. Pediu que enviássemos projetos e o mais interessante ganharia um computador. Ganhamos e foi um problema, porque não tínhamos local para ele. Quase perdemos, mas conseguimos um espaço na antesala do banheiro e depois invadimos um salão na Creche Irmã Margarida, onde ficamos por mais de um ano. Depois fomos expulsos e acolhidos pela Escola Dom Ceslau Stanula. Quando o Encantarte se estabilizou? Primeiro notamos que a educação seria a solução. Em pesquisa do Encantart, descobrimos que nenhum morador do bairro tinha passado no vestibular. Segundo, tinha um estigma de bairro de bandido. Terceiro, os moradores tinham vergonha ou medo de dizer que moravam nele. Já estávamos há um ano com esse projeto e já era hora de colocar o pé no chão e dizer que não era só para tocar tambor. Aproveitamos os espaços para divulgar as atividades que já existiam e também fazer denuncias. O Encantart já tem estrutura e sede própria? Temos 14 anos de fundado e ainda não temos uma sede própria. Nossa estrutura tem sido na base da ousadia. Criamos um bloco afro, uma banda percussiva, um grupo de percussão e dança, um grupo de teatro popular e veio o apoio da Uesc com o cursinho universitário. Conseguimos um espaço na Escola Margarida Pereira e lá a gente faz nossas aulas de dança, de capoeira e outras atividades. Teve algum aluno do Encantarte que foi para as drogas? Iria mais sem o projeto? Sim, porque o projeto atendeu mais de 4 mil pessoas, mas tem aquelas que a gente não consegue segurar. Quando a gente foi expulso do salão da creche, mais de 30 pais e mães disseram que se não fosse o Encantart os filhos estariam no mundo das drogas. E assim conseguimos voltar para a creche com o apoio das famílias, que são nossa maior parceira. Hoje, quando a gente faz alguma atividade, cobra, porque a maioria das famílias está desempregada e os alunos ajudam dentro de casa. O projeto não vive só de tocar tambor. Uma vez ouvi de um menino do projeto, que é bailarino numa companhia de dança na Europa, que “auto estima não enche barriga”. Ele disse que passava fome dentro de casa. O projeto é lindo de se ver, mas precisa de uma estrutura. Quando surgiu o PreAfro? Quando fizemos a pesquisa em 2011, o jovem nunca tinha tentado o vestibular, porque achava que não tinha capacidade e a gente queria provar que eles seriam capazes. Criamos o projeto Associação de Educação Pró Universidade. A Pastoral da Juventude, Ação Negra , Consulta Popular e o Encantart se uniram e fizeram o pro-universtário. Os professores foram trazidos de onde? Alguns eram desempregados, outros da rede pública, que tinham um tempo livre se tornaram voluntários. Depois criamos o Pruni, quando a Fundação Ford lançou um edital e a prefeitura chamou para nos escrevermos juntos. Ganhamos R$ 80 mil, gerenciado por dois anos. Hoje o Encantart coordena o projeto. Os professores ainda são voluntários e a gente não conseguiu aprovar nenhum edital. A violência está geral e as pessoas ainda tem receio de estudar no Maria Pinheiro. Os anos passam, mas a mente das pessoas não muda. Quantos professores atuam no PreAfro? Temos o professor e mestre de capoeira Alfredo, três contra mestres, professores de dança da FICC e Fundação Marimbeta. No pré vestibular temos um professor para cada matéria, um projeto para dois núcleos, um na escola Everaldo Cardoso com 30 alunos e o outro com mais de 30. Mas inda não conseguimos encontrar professor para o grupo. Estamos em campanha para conseguir professores para todas as matérias. As aulas são à noite e o espaço está aberto para o professor ser voluntario. Pode me ligar no 8807-0038 ou email egnegao@homtail.com. O projeto já aprovou muitos alunos no vestibular? Sim, só na Uesc temos 130, todos da turma que achava que não tinha capacidade. Desse total, apenas dois desistiram. Já temos 5 fazendo mestrado, um que passou na Ufba, PUC e Unicamp. Quando a gente soma com alunos da Unime e FTC, o numero dobra. Eu fui fruto do projeto e hoje sou formado em História. Você também é agente comunitário de saúde. Isso ajuda? Sou agente há 17 anos e isso me ajudou a conhecer melhor o Maria Pinheiro, que não tinha água encanada nem esgoto. Hoje tem tudo isso mas não funciona, existe falha. 80% das crianças tinham problema com diarreia, um absurdo. A gente bebia água de poço ou pedia nos bairros vizinhos. Quais os principais problemas do bairro hoje? Se fizer uma enquete, hoje todos vão dizer que é a segurança. A saúde também, porque a unidade de saúde não funciona como deveria. Foi da experiência como agente comunitário que surgiu a peça “Gravidez na adolescência”. E como tem sido a receptividade da peça? É bacana, porque a história é contada pelos próprios adolescentes. A peça tem 10 anos, fizemos uma releitura e as coisas não mudaram. As meninas continuam engravidando cedo. O problema de hoje é que os jovens não assumem. Tem a questão das drogas, do sexo e do machismo e na peça são os meninos que engravidam. É uma comédia que instiga à reflexão. Como você vê o cenário da cultura e arte em Itabuna hoje? Eu sinto muito por Itabuna, que tem o projeto do centro de convenções abandonado e nosso dinheiro junto. Ali não serve para nada. Temos o Centro de Cultura Adonias Filho que está em reforma há mais de um ano. Itabuna não está parada, só precisa de espaço. Não tem dado oportunidade aos seus artistas. A Uesc não tem um curso de arte, a Ufesba talvez tenha. Acredito que se tivesse um projeto social desse em cada periferia, com certeza daríamos um norte para muitas pessoas, especialmente o jovem. |
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