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7 de Fevereiro de 2004

Neylor Calasans, coordenador do Núcleo de Bacias Hidrográficas da Uesc
"É muito esgoto pra pouca água"

       é assim que o professor Neylor Calasans, coordenador do Núcleo de Bacias Hidrográficas da Uesc, resume a situação do Rio Cachoeira. Segundo ele, a bacia enfrenta sua situação mais crítica, com o aumento do volume de dejetos lançados pelos 12 municípios de sua área.
       A Uesc tem projetos para a recuperação, instituições financeiras dispõem de recursos para despoluição, mas as prefeituras estão indiferentes a essa tragédia ambiental.
       Ele defende que o papel da universidade é o de formular e indicar as soluções. "Não cabe à Uesc pegar o prefeito e dizer que ele não vai mais jogar esgoto no rio".

A Região - Por quanto tempo o Rio Cachoeira pode suportar essa poluição?
       Nós, aqui na Universidade, não nos sentimos capazes de apresentar esse prognóstico. A situação atual do rio é bastante crítica, tanto em relação à qualidade como à quantidade da água. O problema da qualidade se agrava cada vez mais, devido ao pequeno volume de água e ao lançamento cada vez maior de efluentes (dejetos) não tratados ao longo da bacia.

AR - Os dados confirmam o aumento da degradação do Cachoeira?
       Nesse último ano nós defendemos duas teses de mestrado, abordando a qualidade da água dos rios Salgado, Colônia e Cachoeira. São dados que nos impressionaram muito, porque houve uma degradação muito grande de dois anos pra cá. Itabuna continua lançando os efluentes no rio, mas todos os demais municípios são responsáveis. Ibicaraí, Itaju do Colônia e Santa Cruz da Vitória também não têm tratamento de esgoto e toda essa poluição termina desaguando em Ilhéus. O problema do Rio Cachoeira não é de um município, mas da bacia hidrográfica como um todo.

AR - Em função de que a poluição se tornou mais crítica?
       Duas coisas aconteceram. Uma delas foi o aumento da quantidade de efluentes não tratados despejados na bacia e outra é que nossos rios estão cada vez menos capazes de reter água. É por isso que, quando não chove, o nível do rio baixa muito. Se o Cachoeira tivesse a capacidade de reter água que tinha há 30, 40 anos, ele poderia ter vazões mais altas mesmo em períodos de estiagem.

AR - Por que houve esse aumento na quantidade de dejetos?
       As cidades vêm utilizando locais que são críticos e isso gera muito problema de erosão. O solo, quando é transportado para o leito do rio, leva contaminantes como pesticidas e fertilizantes. A gente tem projetos de identificação de metais pesados ao longo do rio, devido a atividades industriais e outras.

AR - Por que as ações do programa de recuperação da Uesc foram incapazes de tirar a bacia do Cachoeira dessa situação crítica?
       Existe o Comitê de Bacias Hidrográficas e o trabalho de mobilização deveria partir dele, que abrange todos os setores da comunidade. É um trabalho de bacia hidrográfica, no qual todos os municípios devem estar envolvidos. Acho que a gente tem que deixar claro que a Uesc é uma instituição, principalmente, de pesquisa e ensino. Tem toda a parte de extensão, mas qualquer idéia que se venha a ter sobre a recuperação do rio não pode ser pontual e qualquer coisa que se pense em fazer na região deve ser precedida por um estudo. Nós hoje estamos fazendo um trabalho no Núcleo de Bacias Hidrográficas sobre os trechos da bacia que mais retêm água e contribuem para os cursos dos rios. Não adianta alguém falar que vai plantar cem quilômetros de mata ciliar se isso for feito em locais com baixa retenção de água.

AR - Qual o melhor trecho da bacia em qualidade da água?
       A região da barragem de Saloméia, em Ibicaraí, que garante abastecimento para vários municípios daquela área e tem uma água de excelente qualidade. Uma de nossas maiores preocupações é de que aquela área comece a ser muito danificada, o que pode comprometer o fornecimento de água para a população. O entorno nos preocupa muito, porque existem vários projetos de pesca e ocupação, que tendem a cada vez mais poluir a barragem e tornar ainda mais caótico o abastecimento de água na região.

AR - O que o Programa de Recuperação da Bacia do Cachoeira pode fazer?
       Essa cobrança de que a Universidade execute ações nos perturba muito. A primeira coisa que deveria ser feita na região é prover todos os municípios de sistemas de tratamento de esgoto e isso não cabe à Uesc fazer. Existem diversos bancos no Brasil e no exterior que financiam esse tipo de projeto e o que falta à região é uma mobilização para se buscar esses recursos. Não cabe a nós, da Uesc, ir à prefeitura de Itabuna ou à prefeitura de Ilhéus e fazer um projeto para buscar os recursos. Eles continuam poluindo o rio, que está acabando e vai continuar acabando cada vez mais se continuarem sem tratar seus esgotos.

AR - Algum dos 12 municípios pelo menos iniciou algum projeto para implementar as ações sugeridas pelo programa?
       Em nossa atividade de extensão nós conseguimos a relocação dos lixões de Ibicaraí e Itapé, que ficavam na beira do rio. Isso foi conseguido com a mobilização da população, há cerca de três anos. O que acontece na região é que nenhuma prefeitura ou órgão estadual nos procura para buscar as informações. Uma série de estudos e levantamentos estão aqui disponíveis, dezenas de dissertações de mestrado. Há dois anos nós aprovamos um projeto na União Européia e a bacia do Cachoeira hoje está sendo pesquisada por especialistas da Áustria, Portugal, Espanha e Itália, num sistema de intercâmbio que também inclui a Ceplac. Todo mundo fala que a bacia está poluída e que a Uesc não faz nada, mas isso não cabe à Uesc.

AR - A impressão que se tem é de que falta aos municípios capacidade de solução.
       No ano passado, por diversas vezes, a prefeitura de Itabuna nos chamou por causa da mortandade de peixes. Nós fomos lá, coletamos água, analisamos e chegamos sempre à mesma conclusão: é muito esgoto pra pouca água e é lógico que, se não tem oxigênio, o peixe vai morrer. Iremos todas as vezes que nos chamarem, mas acreditamos que os problemas deveriam ser encaminhados através do Comitê de Bacias Hidrográficas.

AR - Existe a sensação de que se está produzindo um conhecimento que não é aproveitado?
       Em todas as coisas que são feitas na região, a Uesc não é consultada. A implantação dessa estação de tratamento de esgoto e do aterro sanitário de Ilhéus foram obras das quais nós só tomamos conhecimento depois. A Uesc, de certa forma, se sente fora do processo, apesar de ser aqui que se encontram os especialistas na área ambiental.

AR - Apesar dos problemas, Itabuna ainda é o único município da bacia onde um pequeno percentual do esgoto é tratado.
       Itabuna trata cerca de 10% do esgoto que é lançado no rio, mas ainda é a cidade que mais polui, devido ao tamanho de sua população. Ilhéus também polui muito, mas, por já estar no final da bacia, as conseqüências não são tão graves para o Cachoeira.

AR - O que precisa ser feito de imediato para se iniciar a recuperação?
       A solução é as pessoas pararem de poluir e a gente conseguir, a médio prazo, aumentar o volume de água que corre no rio. As cidades, principalmente Itabuna, estão com problema de abastecimento, mas seria possível estudar um potencial hídrico que desse maior suporte ao fornecimento de água a Itabuna através da bacia do Rio Almada, que ainda se encontra num melhor estado de conservação.

AR - Qual a indústria que mais polui o Cachoeira?
       A gente prefere não citar os nomes. Um exemplo positivo é a Nestlé, onde toda a água utilizada sai melhor do que antes. Eles têm um processo de tratamento extremamente eficaz e são muito cuidadosos com a questão ambiental. Mas abaixo da Nestlé existe uma pocilga, mais abaixo tem um curtume que lança produtos químicos no rio, recentemente o abatedouro de Ilhéus foi fechado porque estava jogando os dejetos no Cachoeira. Então, não é um problema pontual e a solução depende de que os municípios parem de jogar o esgoto in natura no rio. A limpeza urbana na região é também muito mal-feita e muito lixo é levado pelas enxurradas para dentro dos rios.

AR - A própria Uesc não tem dado um bom exemplo, já que seus dejetos são lançados sem tratamento diretamente no Cachoeira.
       Esse problema está em vias de resolução, já existe uma série de avaliações, inclusive feitas pelo Núcleo de Bacias, e há um interesse efetivo da Uesc em tentar solucionar essa questão. A gente entende que todo mundo deve fazer o seu dever de casa: a Uesc, Itabuna, Ilhéus e todos os demais municípios devem ter uma preocupação ambiental.

 

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