entrevista
15.Novembro.2014



Rafael Andrade, especialista em retinopatia

“Quando a pessoa sente o sintoma, é tarde”
rafael andrade afirma o Dr. Rafael Andrade, ex-estudante da AFI em Itabuna, da Faculdade Anchieta e da Ufba que se tornou uma referência em retinopatia no Brasil. Rafael cursou oftalmologia e depois 6 em especialização de retina na Universidade de São Paulo.
      Ele é um dos principais responsáveis pelo Mutirão do Diabetes, que atende milhares de pessoas na prevenção e encaminhamento para tratamento da doença. Rafael Andrade foi o convidado do Mesa pra 2 da rádio Morena FM (quartas, 15h), e conversou com Marcel Leal sobre o evento.

A Região - Como surgiu a ideia de fazer o Mutirão do Diabetes em Itabuna?
       Rafael – O mutirão foi uma importação. Surgiu em São Paulo, onde participei ativamente do mutirão do fundo de olho. Aprendi e trouxe para Itabuna.
      A maior causa de cegueira que existe entre pessoas dos 20 aos 60 anos, é a retinopatia diabética. O problema é que as pessoas detectam muito tarde e a cegueira diabética, ao contrário da catarata, é irreversível.

A pessoa sente alguma coisa quando se inicia a doença?
       No inicio não. Mas com o tempo ela fica com a visão embaçada, até fechar a retina de vez. É uma doença silenciosa e, se começar pelos lados dos olhos, ai é que não percebe mesmo. Na retina tem uma área central chamada de macro, com 80% da visão. Por isso é importante que todo diabético faça exame regularmente.

Quantas pessoas foram atendidas no primeiro mutirão?
       Fiz o primeiro em 2004. Depois de treinar os funcionários, trouxe alguns colegas especialistas em exame de massa para realizar o evento aqui e caiu no gosto das pessoas. O número de atendidos em 2004 não chegou nem a 200.
      Já no ano passado, só numa manhã, atendemos com exame do fundo de olho perto de 2 mil pacientes, mais 2 mil no exame do pé diabético e uns 300 para exame a laser. Também fizemos a feira da saúde, com mais de 10 mil pessoas passando por lá. Olhe como cresceu...

Qualquer pessoa pode participar?
       Sim, qualquer uma pode ir na avenida Beira Rio. Nos 20 estandes que estarão armados teremos outros serviços, como o exame do pé, os direitos que os diabéticos tem para o atendimento. Faremos também 5 mil exames de glicemia para saber se o paciente é diabético.

Pode-se dizer que Itabuna está se tornando uma referencia nesse mutirão?
       Sim, e pessoas influentes no Brasil batem palmas para nós pelo cuidado que temos em promover atendimento, não apenas pelos cuidados com os pacientes que atendemos, mas pela mobilização da cidade inteira nesse mutirão.
      É um exemplo único Itabuna é uma cidade preparada para cuidar de um dos maiores desafios, que é o diabetes. A cada oito segundos uma pessoa morre em função do diabético. Nós conseguimos, no mutirão, dar atendimento a essas pessoas.

Muitas pessoas tem diabetes e não sabem?
       Como a doença é silenciosa, as pessoas não percebem antes, só alguns sintomas, como a sede, que aumenta bastante, muito xixi. Uma coisa interessante é que o paciente flutua a visão. Faz um monte de óculos errados e não resolve muito.
      De repente tem um grau e aumenta para cinco. Ele não sabe que é por causa do aumento de açúcar. E hoje um dos grandes problemas é a criança, que não tinha diabetes tipo 2 e hoje há uma epidemia de diabetes do adulto na criança.

O que leva a pessoa a adquirir diabetes? É a alimentação?
       A alimentação é rica em açúcar refinado e pobre em fibras. Os produtos industrializados têm um tipo de açúcar que é o mais maligno e pobre em nutrientes. Para se ter uma ideia, um pãozinho de sal equivale a comer uma colher de açúcar cristalizado.
      Além disso, a criança hoje está na frente do computador ou da TV o tempo todo, é o perfil da geração. Dados da Federação Internacional do Diabetes indicam que 80% dos diabéticos tipo 2 não teriam a doença se tivesse uma educação alimentar correta e atividades físicas frequentes.

O que se pode cortar na alimentação para evitar a doença?
       É preciso ter equilíbrio. Procurar manter uma alimentação correta. Grãos já é um bom começo. Mas uma coisa que me “derruba” é atender um paciente carente e ele dizer que não pode manter uma alimentação correta. Como cobrar de um paciente desses uma melhor qualidade de vida se ele não tem dinheiro?

Quando a pessoa está com diabetes avançada, o que ela sente?
       O diabetes pode se apresentar de duas maneiras, uma porque o açúcar está baixo e ele passa mal, fica tonto, sua frio, desmaia, entra em coma e pode morrer. É a parte aguda. E a crônica, que é o que fazemos no mutirão. Com o tempo o açúcar vai subindo e provoca alterações vasculares.
      O sistema vai entupindo e pode enfartar. A retina do olho é quem sofre primeiro. O olho embaça e provoca lesões irreversíveis. Ai ele procura o médico. Mas não sabe que também pode perder o rim e enfartar aos 30 ou 40 anos.
      As alterações do diabetes no olho não são de uma hora para outra. Vem ao longo do tempo. No caso do olho posso fazer um exame, ver todos os vasinhos do fundo do olho e encaminhar par ao clinico. Com o rim eu não posso fazer isso. Geralmente, quando a pessoa descobre já está há mais de 7 anos com a doença.

Porque o diabético emagrece tanto?
       É muito catabólico, ele vai destruindo e definhando o corpo por dentro. Não existe ninguém que não conheça ou tenha um parente diabético. Ele está no meio de nós, por isso é muito importante o envolvimento de todos. Tem tanto diabético no mundo que se fosses imaginar uma nacionalidade, só perderia para a China e para a Índia.

O que muda na vida do diabético quando descobre a doença?
       Temos estatísticas feitas a partir do mutirão e em revistas médicas que indicam que 80% dos pacientes são normais. Então é hora de atuar a partir da mudança de rotina, com alimentos e atividades físicas. Em torno de 10% são casos graves para cirurgia, que infelizmente não é realizada pela SUS. O “bandido-chefe” do corpo é o diabetes.

O paciente com o inicio do diabetes só vai fazer a reeducação alimentar ou precisa remédio?
       Depende do grau. Tem pacientes que começam a perder peso com atividades físicas e já diminui, mas outros precisam tomar remédio. Não é preciso ter medo da insulina, tem que ter medo é da doença. Temos vários tipos de insulina hoje, tem até bombas.

Acontece do paciente deixar o tratamento pela metade porque já se sente melhor?
       Não, ao contrário. O paciente não vai abandonar porque ele vai sentir sempre os sintomas. Temos estatísticas para saber o que o paciente sente mais medo da cegueira que da amputação ou ir para uma máquina de hemodiálise. O medo maior é da visão, que chega a 70%.

Porque o diabético sofre com o pé e não com a mão?
       Não sei ao certo como responder, mas sei que é a maior causa de amputação. Uma vez uma pessoa, caminhando na areia quente da praia, queimou todo o pé e não sentiu nada. Por isso é importante a prevenção.

Os estudantes gostam de participar realmente?
       Sim, são mais de 400 estudantes que, durante um mês, são capacitados e vivem a emoção do mutirão. É bom pra eles, pois quando vão para o mercado de trabalho tem uma visão melhor e mais humana do que muitos que saem de uma universidade.

O que mais te impressionou nesses 10 anos?
       O que mais me impressiona é quando alguns colegas vem de São Paulo para acompanhar o mutirão, quando eles veem tanta gente sorrindo, a capacidade de mobilização de uma cidade inteira sofrida, assolada pela violência, pela dengue... e as pessoas estão lá.
      Eu tenho muito orgulho disso. Eu estava capacitando 60 estudantes e um deles me perguntou se poderia fazer alguma coisa pelo mutirão. Ele criou um jingle lindo e em outra reunião convoquei nosso “guerreiro azul”, o embaixador do mutirão, nosso amigo Kokó.
      Ele participou da reunião, chamou o estudante, gravamos e já está em tudo quanto é lugar, Isso graças a Daniel César, o autor do jingle deste ano.

É possível levar esse mutirão para outros lugares?
       Sem dúvida e isso já aconteceu. No ano passado, três semanas antes do mutirão, me chamaram na sede do Conselho Brasileiro de Oftalmologia em São Paulo. O presidente veio no ano passado e se apaixonou. Me pediram para fomentar a campanha de prevenção à cegueira do diabetes em todas as cidades do Norte e Nordeste.
      Fizemos em 10 cidades em apenas três semanas. Preparei o material coloquei no site da CBO, desde camisa, release, o fluxo de atendimento. Até em Roraima fizemos. Aqui em Itabuna fizemos a pedalada azul, até como forma de incentivar a atividade física, com mais de 500 pessoas.


 
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