é a conclusão do coordenador do Ministério Público em Itabuna, Márcio Cordeiro Fahel, que responde
pela Vara dos Direitos Difusos e Coletivos. Ele afirma que as pessoas têm medo de denunciar,
desconfiam das instituições e temem pela própria vida. Casado, 31 anos, dois filhos, ele tem dez
anos de formado em Direito e está há nove no MP. Nesse período ele já levou aos tribunais dois
prefeitos: Fernando Gomes e Geraldo Simões, sem obter condenação. "Não temos nada de pessoal contra
os gestores, nem o antecessor nem o atual ressalva mas em qualquer circunstância que os envolva
nós procuramos atuar de forma estritamente legalista."
Márcio Fahel não se mostra generoso ou condescendente quando chamado a dar nota de zero a dez ao
Ministério Público, pela atuação em Itabuna. Dá cinco. "Dou essa nota porque não o colocaria como
ruim, mas mais de cinco poderia parecer que eu considere a atuação satisfatória," explica.
Nesta entrevista, ele falou de atribuições do Ministério Público, relações do Estado com o
Judiciário baiano, a necessidade de construir um presídio no município, e condenou de forma
inapelável as condições da Casa de Detenção: acho que já seria o momento de interditar a cadeia
pública. A seguir, os principais trechos da entrevista a Ailton Silva:
A Região - Qual é hoje o verdadeiro papel institucional do Ministério Público, definido em lei?
Márcio Fahel - O Ministério Público, principalmente após a Constituição de 1988, ganhou um
leque de atribuições bastante significativas. Ele passou a atuar em todas as questões de interesses
coletivos como segurança pública, educação, saúde, meio ambiente e defesa do consumidor. E ainda
mantém a atuação numa de suas tarefas mais antigas, que é a de promover a ação penal pública, ou
seja na área criminal.
AR - O senhor está dizendo que o papel anterior foi renovado e ampliado com a Constituição de
1988...
MF - Antes disso as atribuições do Ministério Público eram muito reduzidas. Principalmente no campo
dos interesses coletivos, a atuação era muito tímida. A Constituição de 88 nos garantiu outras
prerrogativas, de forma que hoje atuamos em todo e qualquer assunto de interesse público.
AR - A diferença entre o juiz e o promotor seria de que um só age quando provocado, enquanto o outro
tem a iniciativa?
MF - É uma das diferenças. O promotor hoje deve estar atento ao que se passa na sua comunidade, deve
buscar os problemas e não somente esperar que a população os provoque; essa é exatamente uma das
diferenças em relação o juiz. Nós podemos identificar problemas que muitas vezes a sociedade não se
apercebeu e provocar o Judiciário para que este encontre uma solução. Então hoje o Ministério
Público não pode ter uma cultura passiva, mas sim uma cultura ativa, e tentar, claro, antes de
entrar com processo judicial, uma solução amigável, extrajudicial. No último caso, recorre-se ao
Judiciário.
AR - De zero a dez, qual a nota que o senhor dá ao Ministério Público pelo desempenho em Itabuna?
MF - Cinco. Dou essa nota porque não o colocaria como ruim, mas mais de cinco poderia parecer que eu
considere a atuação satisfatória. O nosso trabalho ainda precisa de maior engajamento de todos os
promotores, é preciso que a própria instituição receba maior estrutura de Salvador, da Procuradoria
Geral de Justiça, mas nós temos a vontade e a esperança de que num futuro próximo elevemos esse
conceito para sete ou oito.
AR - O senhor atuou em algumas situações complexas envolvendo o então prefeito Fernando Gomes, e o
atual, Geraldo Simões...
MF - Não temos nada de pessoal, nem a favor nem contra os gestores, nem o antecessor nem o atual.
Mas em qualquer circunstância que os envolva nós procuramos agir de forma estritamente legalista. Se
não conseguimos ser compreendidos e acatados no primeiro passo, só nos resta provocar o Judiciário.
E fazemos isso com a completa convicção de que não estamos tendo nenhuma participação de afronta
pessoal a qualquer um deles, apenas defendendo a legalidade.
AR - Como ficou a questão da Taxa do Lixo em Itabuna, após a decisão do Tribunal de Justiça?
MF - O presidente do Tribunal, desembargador Cintra Dutra, suspendeu a liminar do doutor Antônio
Laranjeira, e o Ministério Público, através da Procuradoria Geral de Justiça, entrou com recurso.
Esperamos que em breve haja uma solução sobre o assunto.
AR - E quanto às denúncias contra o ex-prefeito Fernando Gomes, em que nível de decisão judicial se
encontra o caso?
MF - Todos nós sabemos, o próprio presidente do Tribunal de Justiça já disse de viva voz, que o
Judiciário no Brasil e da Bahia em particular, está falido. Falido no sentido de que não consegue
responder às suas demandas, às provocações do dia-a-dia. Então, infelizmente esses processos não têm
o andamento que a sociedade deseja. Não culpo - falando do caso de Itabuna - o juiz titular da Vara
da Fazenda Pública, perante o qual correm essas ações, mas condeno toda uma estrutura em que o
Judiciário anda de forma precária, com os juizes assoberbados de trabalho e sem o mínimo de
condições para cumprir suas atribuições.
AR - É muito difícil condenar prefeitos no Brasil, não é? Tirando as exceções que confirmam a regra,
ninguém é punido...
MF - É tudo muito difícil porque a própria investigação com deflagração do início de um processo
envolve uma série de pessoas e órgãos. Então quem mantém o poder político e geralmente econômico
faz com que tudo isso seja ainda mais complicado. Essas pessoas conseguem interferir, fazendo com
que os processos não andem, dificultando a própria investigação. Existe outra questão complexa que é
o medo se denunciar. Por que? Primeiro, as pessoas não acreditam nas instituições; segundo, elas
temem pela própria vida. Então temos de reconhecer que é muito difícil uma condenação desses
gestores. Mas nós estamos vendo uma luz no final do túnel, principalmente na Bahia, com o
comportamento de independência do presidente do Tribunal, desembargador Dultra Cintra.
AR - Como o senhor avalia esse embate entre o TJ e o governo do Estado com relação aos recursos para
o Judiciário?
MF - O Judiciário baiano parece estar entrando numa nova era de procurar se estabelecer e buscar
apenas uma relação harmônica com o Executivo, e não de subserviência. Nesse sentido a independência
real e financeira do Poder Judicial é o primeiro pré-requisito para que a instituição possa andar
com suas próprias pernas e não ser apenas um órgão de execução de políticas do Executivo.
AR - O senhor acha que isso deveria acontecer em todo o Judiciário?
MF - O Poder Judiciário e o próprio Ministério Público precisam de reformulações. Além de mudanças
na legislação, deverá haver um maior comprometimento dos juízes e promotores com as causas sociais.
Na verdade, o Judiciário e o MP ainda estão de certa forma distantes da sociedade. É preciso que o
juiz ouça mais as comunidades, o povo, e o próprio promotor, para que haja um envolvimento maior com
a sociedade. Isso não tem lei que modifique, é preciso realmente formar promotores e juízes que
tenham consciência da realidade social em que o País está mergulhado.
AR - Com relação à violência, Itabuna não foge à regra das médias e grandes cidades do País. Por que
isso?
MF - A estrutura de segurança pública na Bahia é muito deficitária. Temos delegacias de polícia mal
aparelhadas, existem delegados e agentes de polícia pessimamente remunerados, há departamentos de
polícia técnica sem o mínimo de condições de funcionamento, sem falar no número ínfimo de viaturas e
de recursos para que essas viaturas circulem no dia-a-dia. Falta ainda o próprio engajamento de
todos os órgãos para que ajam de forma conjunta. Tanto as polícias Militar e Civil, quanto o
Ministério Público e a Justiça agem isoladamente, sem uma coordenação ou pelo menos uma relação de
harmonia nas atividades dessas instituições.
AR - E a questão do Complexo Policial de Itabuna?...
MF - O que se vê é grande despreocupação do Estado da Bahia para com o Complexo Policial de Itabuna,
onde não existe o mínimo de infra-estrutura. Sem que haja uma reforma adequada ou até mesmo a
construção de um presídio, fica difícil se desenvolver uma política mais séria de segurança pública
em Itabuna. Até como meio de demonstrar ao Estado a insatisfação de toda a sociedade com relação à
segurança no município, acho que já seria o momento de interditar a cadeia pública, não como fim em
si mesmo, mas para mostrar de forma definitiva que Itabuna não aceita o descaso do governo baiano.