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11.Janeiro.2003

''O produtor não teve competência na Coograp''

afirma o ex-diretor da Cooperativa Grapiúna de Agropecuaristas, Fernando Afonso Ferreira, o Fernandão. Ele foi convidado pelos trabalhadores, no mês passado, para negociar uma parceria que tente manter a Coograp funcionando depois de sucessivos prejuízos, renúncia de presidente e de diretores, e tentativas de arrendamentos, frustradas por causa do tamanho do rombo no caixa da cooperativa.
       Fernandão, que foi diretor da cooperativa por dois mandatos, sendo um anos 80 e outro na década de 90 épocas em que eram processados até 60 mil litros de leite por dia, segundo ele , diz que os erros administrativos e as divergências políticas fizeram com que a instituição chegasse ao fundo do poço. Ele afirma também que o produtor não se mostrou competente para manter sozinho o bom funcionamento do cooperativismo, e aposta na parceria entre agropecuaristas e trabalhadores para revitalizar a Coograp.

       A Região - Como o senhor avalia o funcionamento da Coograp, hoje?
Fernando Afonso Ferreira - Desde o mês passado ela está sendo tocada provisoriamente pelos trabalhadores, após duas tentativas frustadas de arrendamento da usina. Está funcionando muito bem desde dezembro, com os compromissos com os fornecedores em dia. Os funcionários estão tão dispostos a ajudar que nem sabem quanto vão receber no final do mês. O que eles sabem é que o lucro será rateado e o que sobrar será destinado ao pagamento de rescisões trabalhistas dos demitidos. Em época de mudança de governo no Brasil, o caminho é esse, com o entendimento entre trabalhador e patrão. Acredito que a administração será feita em parceria entre as duas classes, mesmo porque o produtor já se mostrou incompetente para gerir a Coograp, tanto que ela chegou à situação em que está.

AR - Por que a Coograp não foi arrendada como se pretendia?
FAF - No início de novembro do ano passado foi feita a primeira tentativa de arrendamento da usina com uma associação de pequenos produtores da região, mas por problemas políticos os diretores da Coograp não aceitaram a negociação. Logo depois houve nova tentativa de arrendamento pela Cooperativa dos Produtores do Vale de Itanhém (Coopvali), que também não deu certo porque eles se assustaram com os débitos. Depois da renúncia do presidente da Coograp, de diretores, e das tentativas frustradas de arrendamento, os funcionários ficaram sem ter a quem recorrer, então fecharam as portas da cooperativa e posteriormente assumiram a direção.

AR - O que levou a Coograp a essa crise?
FAF - A crise começou há cinco anos, e ocorreu principalmente por causa de problemas administrativos e políticos. Administrativos por conta de uma série de equívocos cometidos pelos diretores na condução dos projetos que foram ou que deveriam ser desenvolvidos na Coograp.

AR - Quais foram os problemas políticos?
FAF - Por exemplo, a briga entre diretores do Tesouro Nacional e do Banco do Nordeste emperrou a liberação dos recursos do Recoop o programa de financiamento criado para socorrer as cooperativas brasileiras. Na época ocorreram muitas divergências entre as duas instituições, não sabemos o por quê, mas o fato é que os recursos esperados para revitalização da Coograp não saíram. Esses recursos alongariam o prazo de todos os débitos da cooperativa, mas infelizmente o dinheiro só saiu para as instituições dos estados do Sul do país, enquanto as do Nordeste não receberam um único centavo.

AR - E os equívocos administrativos?
FAF - Os diretores da Coograp apostaram todas as fichas no Recoop e não buscaram outras alternativas viáveis. O certo é que a cooperativa não fez seu dever de casa, com políticas de mercado mais agressivas. Além disso a divulgação em setembro de 2002 de um balancete apontando prejuízos de R$ 11 milhões nas contas da Coograp acabou por decretar a quebradeira. O montante era referente ao exercício do ano anterior e não era necessário que os números viessem a público, pois esse prejuízo era decorrente da atualização de todos os saldos negativos.

AR - Como é mesmo?
FAF - Explico: às vezes você tem uma dívida no valor R$ 3 milhões com um banco, mas com R$ 1 milhão esse débito pode ser pago, a depender do encaminhamento das negociações. Isto ocorre porque grande parte do montante devido é referente aos juros, taxas etc., valores que podem ser renegociados. Então a diretoria da cooperativa atualizou tudo isso e o assunto veio a público sem a devida clareza. Esse talvez tenha sido o maior equívoco.

AR - Então o rombo deveria ser escondido?
FAF - Não disse isso. Falei que era desnecessário a maneira como os números foram divulgados, porque pareceu que em apenas um ano a cooperativa perdeu os R$ 11 milhões, o que não correspondia à realidade. Da forma como foi divulgado, pareceu que a cooperativa teve um grande prejuízo, as pessoas ficaram com medo de fazer negócios com a Coograp e resultado foi o caos, com perdas enormes para os produtores e associados. Por causa dessa situação, muitos fornecedores se afastaram, a produção caiu quase a zero, a entrega de leite passou de 12 mil litros para três mil litros diários. Um caos.

AR - Mas os trabalhadores também foram prejudicados....
FAF - É claro. Quase todos foram demitidos sem direito a indenizações, sabemos que muitos estão passando necessidades financeiras. Os 13 funcionários que restaram estão há três meses sem salário nem 13°, e há cinco anos o FGTS não é depositado. Temos consciência do sofrimento dessas pessoas e fomos chamados justamente para tentar amenizar essa crise agravada por ações extremamente desnecessárias.

AR - Como está a relação com os fornecedores?
FAF - Estamos tentado contornar os conflitos. A confiança entre a cooperativa, associados e trabalhadores está voltando. Os produtores ficaram cinco meses sem receber pelo fornecimento do leite, mas isso mudou a partir de novembro, quando as dívidas voltaram a ser pagas. Os débitos referentes aos fornecimentos de novembro e dezembro estão quites. Os carreteiros têm dois meses sem receber o pagamento pelo frete, mas essa situação também será resolvida.

AR - O senhor diria que essa crise na Coograp também se deve à concorrência desleal no mercado?
FAF - Não culpo a concorrência, mas a cooperativa, que não soube participar do processo. Vou citar um exemplo de situação em que fomos incompetentes: quando a Coograp inaugurou uma fábrica de iogurte (há cerca de dois anos) e entrou no mercado, a Nestlé baixou o preço de seus produtos nos supermercados de Ilhéus e Itabuna por pelo menos 60 dias. A multinacional estava errada? Não, estava no direto dela, a cooperativa que deveria estar preparada para concorrer não só com a Nestlé mas com quem entrasse no mercado.

AR - Faltou competência empresarial, então?
FAF - Posso dizer que sim. Existem situações em que o poder econômico chega a ser desumano com as empresas menores, mas isso é da regra do jogo. O que nos faltou foi competência para entregar os nossos produtos em lugares em que a Nestlé estivesse com os preços normais. Em Salvador por exemplo, o iogurte da Nestlé era muito mais caro que o vendido aqui pela Coograp, mas não tivemos a capacidade de chega aos supermercados da Capital.

AR - Qual a real dívida da Coograp? Só à Credicoograp a cooperativa deve R$ 9 milhões...
FAF - Não tenho certeza, mas acredito que seja menos de R$ 10 milhões. A dívida com a Credicoograp não é tudo isso, é de pouco mais de R$ 2 milhões, mais juros. Comenta-se também que a cooperativa deve R$ 3 milhões em ICMS, mas esse valor é bem menor. Então acredito que com menos de R$ 10 milhões resolveremos todos os problemas.

 

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