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31.Agosto.2002

"Não queremos escola para bandidos, mas um espaço para ressocialização"

diz o diretor do Presídio Advogado Ariston Cardoso, Frederico Vésper Rodrigues, administrador formado pela Universidade Federal, divorciado, uma filha, morador da região há sete anos e transbordante de entusiasmo nos seus 29 anos de idade. Os presídios que agora são chamados de centros de recuperação existem para socializar o preso, afirma. Em seu trabalho, Vésper Rodrigues procura interagir com o sistema judiciário (juízes, promotores, serventuários e advogados), mas não dispensa os outros segmentos sociais, incluindo empresários, evangelizadores.
       Nos planos do diretor, a criação de uma Colônia Agrícola, possibilitando a permenência na região, junto aos familiares, dos condenados ao cumprimento de pena em regime semi-aberto. Enquanto isso não acontece, ele tenta junto a empresas regionais a adoção de mão-de-obra carcerária, ainda lutando contra o preconceito. O trabalho do recluso, além de lhe dar mais dignidade, será uma forma de reduzir substancialmente a pena a ser cumprida, o que é bom para o Estado, e por extensão para toda a sociedade, prega.

A Região - O Presídio Advogado Ariston Cardoso foi criado como prisão-modelo. O senhor diria que esta característica ainda se mantém hoje?
Frederico Vésper - A função principal dos presídios, definida pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, é socializar o preso. É para isso que eles existem. Na realidade o presídio Advogado Ariston Cardoso foi feito para 57 internos; anos depois foi ampliado para 114, e agora depois de praticamente oito anos tem uma nova ampliação, indo de 114 para praticamente 200 internos. A filosofia de unidade-modelo portanto, se mantém apesar das dificuldades.

AR - E de que forma essa ampliação se insere na filosofia da ressocialização dos internos?
FV - Hoje nós temos um problema na cidade de Ilhéus com o aumento do índice de marginalidade, mas essa ampliação absorve a atual demanda de presos da cadeia pública e passa a dar uma condição melhor, principalmente do ponto de vista da humanização. Vamos ter um novo Módulo de Vivência como é chamado o lugar onde ficam os presos passando a dar uma condição de vida melhor ao detento. A ampliação nos dá a possibilidade de ter salas de aula, galpão de 240 metros quadrados onde vamos implantar uma atividade laborativa, e assim por diante.

AR - Enquanto isso, o que é feito em benefício do preso?
FV - Fizemos um trabalho de conscientização tentando resgatar o respeito, a auto-estima e o direito do preso, a partir de um trabalho social justo, com o apoio de nossa Coordenadora de Atendimento à Saúde, com o esforço da assistente social. Implantamos também um sistema de visitas rotineiras de pessoas cristãs e evangélicas à unidade, trazendo a cultura religiosa aos internos.

AR - E as notícias de que há presos que não deveriam mais estar cumprindo pena, que deveriam ter sido julgados?...
FV - Promovemos nesse aspecto, um trabalho de mutirão procurando renovar a população carcerária, dando acompanhamento aos processos dos presos. Quando assumimos o presídio, tínhamos 154 presos na unidade, 90 na cadeia pública e cerca de 85 presos em Jequié, que ficavam à disposição. É que o Presídio Advogado Ariston Cardoso não trabalha apenas para Ilhéus: integramos o Pavimento Seis, recebendo presos de Ubaitaba, Uruçuca, Itacaré, Una, Aurelino leal e Canavieiras. Os que estão à disposição da Justiça ficam na nossa unidade prisional.

AR - E como foi essa coisa do mutirão para acompanhamento dos processos que caducavam em Ilhéus?
FV - A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos firmou convênio com a Uesc nos dando cinco estagiários de Direito e um de Administração. Com isso implantamos o mutirão processual junto à Defensoria Pública, dando acompanhamento a toda essa realidade de processos que ali estavam. Fomos aos cartórios, trabalhamos com escrivãs, magistrados da Vara Crime, e com o auxílio desses profissionais conseguimos regularizar a população carcerária.

AR - E do ponto de vista prático, do dia-a-dia da administração do presídio, esse trabalho deu certo?
FV - Não há dúvidas que sim. Temos um ano e dois meses sem rebelião, sem motim, como fruto desse trabalho junto ao sistema judiciário e aos próprios presos, procurando mudar o conceito antigo de presídio para o moderno de centro de recuperação. Não queremos fazer escola para bandidos, mas um espaço para a ressocialização.

AR - Mas o Ariston Cardoso ainda tem dificuldades com a distribuição dos presos, havendo certa promiscuidade...
FV - Há dificuldades sim, mas logo agora em setembro, com a ampliação, teremos três áreas delimitadas que vão melhorar em muito a situação: uma área feminina, uma para os albergados, e uma terceira para os que estão cumprindo pena em regime fechado. Aí sim será um novo modelo, com nova estrutura, para que se possa implantar um sistema de humanização.

AR - O senhor defende a Colônia Agrícola como forma de resolver a questão da demanda de presos?
FV - Eu acho que uma Colônia Agrícola vai ser de muita importância porque a gente tem a disponibilidade da mão-de-obra carcerária. E não só isso! Com esse tipo de equipamento prisional, os presos em regime semi-aberto têm possibilidade de ficar na região, podendo participar e viver próximo à sua família. Hoje o preso que cumpre pena em regime semi-aberto acaba indo para a colônia Lafaiete Coutinho, em Salvador.

AR - A Colônia tornaria mais visível o caminho da recuperação dos presos em Ilhéus?
FV - Certamente, o trabalho é importante nesse processo, pois cabeça vazia é oficina do diabo, dizem os mais antigos. A prisão não tem nada mais nobre em suas intenções do que ressocializar, esta é a filosofia da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos. Tanto que a Colônia Agrícola, como de resto toda unidade prisional moderna, não é mais chamada de presídio, mas de Centro de Recuperação.

AR - O senhor já teve algum aceno positivo das autoridades estaduais sobre esta idéia ou esta é uma batalha isolada?
FV - É uma idéia que integra uma filosofia geral de ressocialização dos detentos, com a aprovação do secretário de Justiça e Direitos Humanos e o aval do governador do Estado. A idéia da Colônia Agrícola é parte da intenção de transformar os antigos presídios que apenas tiravam a liberdade em centros de recuperação que preparem o detento para a vida futura.

AR - Enquanto não vem a Colônia Agrícola, que medidas estão sendo tomadas para dar atividades ao preso?
FV - Estamos em contato com empresas da região para utilizar a mão-de-obra carcerária, que oferece muitos benefícios ao empresário e ao detento. Sem contar que o trabalho do recluso, além de lhe dar mais dignidade será uma forma de lhe reduzir substancialmente a pena a ser cumprida, o que é bom para o Estado, e por extensão para toda a sociedade.

AR - Quais as vantagens que existem nessa mão-de-obra não convencional que o senhor oferece às empresas?
FV - O empresário terá como benefícios, dentre outros, a remuneração de apenas 75% do salário mínimo, inexistência de vínculo trabalhista, encargos sociais e demandas trabalhistas, numa jornada de até oito horas de trabalho, com folgas aos sábados e domingos. O investimento com infra-estrutura seria bancado pelo governo Estadual, eliminando custos de vales-transporte, alimentação, água e energia elétrica.

AR - E o preso, o que ganharia com esse trabalho?
FV - Para o preso isto significaria a redução da pena de um dia a cada três de trabalho, remuneração de 75% do salário mínimo, formação de poupança para quando terminasse sua pena, treinamento profissional e facilidade de acesso ao mercado após o cumprimento da pena. Dentre as empresas em nossos planos está a Penalty, que já tem uma experiência positiva na Unidade Prisional de Jequié.

AR - O senhor não teme ter de enfrentar um grande preconceito em torno da execução dessa idéia?
FV - Tudo depende de trabalho, de persistência na tentativa de convencimento, de conscientização. O preconceito existe e é uma questão que temos avaliado junto aos empresários, principalmente os empresários evangélicos, de quem temos recebido respostas com alto nível de sensibilidade. A questão carcerária não pode ser vista como problema apenas do governo, precisa de ação integrada que reúna esforços de toda a sociedade, promova discussão e reflexão sob diversos aspectos e permita a descoberta das soluções.

AR - E quando o senhor imagina que o governo do Estado colocará essa idéia em prática?
FV - Temos esperança de que dada a preocupação do secretário e do governador, isto seja colocado em prática o mais rapidamente possível. Creio que no próximo ano, após a ampliação do presídio Advogado Ariston Cardoso, que deverá ser concluída em setembro.

 

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