1.Dezembro.2002
Sonho que não tem fim: o projeto Dendiesel
de combustíveis à base de óleos vegetais. O engenheiro-químico Hernani Lopes de Sá Filho,
pesquisador com passagem pela Petrobrás, Instituto Nacional de Tecnologia, Fundação de Tecnologia
Industrial e Ceplac, é criador da marca Dendiesel, bandeira de uma luta que começou em 1984.
Casado, 63 anos, cinco filhos e dois casais de netos, Hernani carrega sobre os ombros 18 anos de
decepções e incompreensões acumuladas ao bater às portas da surda e burra burocracia oficial. Mas só
aparentemente.
Como quem acredita nas próprias verdades, ele é imune a pessimismo e doenças
semelhantes, sendo capaz de enxergar como sinais dos céus o que aos homens de pouca fé pareceria
simples acidente. ¨Sinto-me rejuvenescido ao ver de certa forma o sonho realizado,¨ comemora ao
saber que o governo acaba de criar o programa nacional de Biodiesel.
Nesta entrevista Hernani Sá diz que pretende passar todo o conhecimento que acumulou em 36 anos de
estudos sobre combustíveis não-fósseis para escolas de quaisquer níveis, devolvendo à sociedade o
investimento pela sua formação escolar. Quem se habilita? É sem ônus.
A Região - Por que o Dendiesel não foi aceito no Brasil? O que há de errado com ele?
Hernani Sá - São muitos os fatores que se somaram para que esse projeto não tivesse o apoio das
autoridades brasileiras. De forma geral, sem entrar em detalhes, é possível listar elementos como
ignorância, inveja, traição, medo da concorrência e outros. Em países que não sofreram esse tipo
avaliação equivocada, como Estados Unidos, Alemanha e Malásia, o projeto deu certo. Logo, a questão
não é do projeto, mas de quem o avaliou.
AR - E ainda há possibilidade de que essa situação seja revertida?
HS - Há, sim. Mesmo com as dificuldades que encontrou até agora, o programa vai dar certo porque as
condições de hoje são bem diferentes daquelas que enfrentamos antes. Este momento histórico é
amplamente favorável a medidas estratégicas como o Dendiesel, pois estamos pressionados por
problemas como o clima do planeta, a ameaça de guerra, crise energética, fim do petróleo pelo menos
no Brasil e necessidade de empregos na agricultura.
AR - Há interesses antinacionais que impedem o andamento desse Programa?
HS - Há muitos interesses, inclusive nas nossas barbas. Estrangeiros armaram barraca em nossas
universidades e instituições de pesquisa, e agora querem nos vender tecnologias que já possuímos há
muito, nos impor equipamentos obsoletos, evitar que o Brasil se torne uma potência energética,
exportando para eles nossos produtos exclusivos, invertendo o processo de dominação. Como não
possuem nosso potencial, querem desviar nossa atenção com outras fontes de energia que eles dominam.
AR - Que área de dendezeiros seria plantada no sul do Estado, caso o projeto Dendiesel fosse
desengavetado?
HS - É admissível um número em torno de 650 mil hectares para atender o consumo de 15% de óleo
diesel. Sem considerar o Dendiesel, essa área atenderia a demanda insatisfeita do país em dendê.
Plantar dendezeiros, é portanto um investimento absolutamente seguro.
AR - O Brasil não teria dificuldades para conseguir tantas sementes (ou mudas?) para plantar toda
essa área? Teríamos que importar da Malásia?
HS - Após tantas sinalizações como no governo Collor, quando anunciaram que o Dendiesel (então, um
projeto da Embrapa) era a solução para nossos problemas de combustíveis é evidente que nossos
especialistas da Ceplac e Embrapa devem ter criado as condições para atender uma demanda que poderia
e poderá surgir a qualquer momento. Acredito neles, que devem ter feito os melhoramentos genéticos
necessários.
AR - Quantos empregos diretos seriam criados na região com a implementação do projeto Dendiesel?
HS - Considerando uma família de cinco pessoas por hectare, teríamos algo superior a 3,2 milhões de
empregos diretos na área estimada de 650 mil hectares. Penso que só esse aceno, numa região em tão
aguda crise de desemprego, já seria suficiente para tornar o projeto Dendiesel um instrumento de
política econômica para ser levado a sério.
AR - Se começássemos hoje, em quanto tempo teríamos dendê suficiente para tocar o projeto e mostrar
resultados à sociedade?
HS - A Malásia já estava apta há cinco anos, para implantar 100 mil hectares anuais, talvez mais, se
aproveitarmos as áreas já desmatadas. Portanto, em seis anos e meio teríamos implantados os 650 mil
ha da Bahia.
AR - Além do dendê, o projeto implantaria outras culturas na região (soja, amendoim, mamona)?
HS - Por definição o projeto Dendiesel, marca que registramos para a Ceplac, seria implantado em
diversas etapas para atender a curto, médio e longo prazos, considerando as culturas anuais
(amendoim, soja, mamona, girassol etc). Mas o subprojeto da agroindústria seria implantado de
imediato até a plenitude do dendê.
AR - Qual seria a relação de convivência das palmáceas com a Mata Atlântica? Haveria algum impacto
ambiental, algum perigo de desmatamento?
HS - A convivência dos dois elementos é perfeita. O dendê, além de preservar o ambiente, renova a
atmosfera fixando o carbono (em forma de CO2, causador do efeito estufa), liberando Oxigênio. Mas o
ideal seria reflorestar as áreas já degradadas por projetos agropastoris mal orientados ou por
simples ação econômica predatória.
AR - E quanto ao cacau? O dendê precisaria dizimar cacaueiros para abrir seu espaço no meio-ambiente
regional?
HS - O dendê é o aliado que o cacau precisa para democratizar o consumo do chocolate e aumentar o
preço do mesmo. A propósito, em 1986 elaboramos e apresentamos o óleo de cacau, que algumas pessoas
muito ricas podem usar em seus veículos (não sou rico, mas usei porque descobri e sei como fazer a
Cargill forneceu-me de graça a matéria-prima).
AR - Depois de 18 anos, o senhor não está cansado?
HS - Sinto-me rejuvenescido ao ver de certa forma "o sonho realizado". O governo acaba de criar o
programa nacional de Biodiesel (nome equivocado, estrangeiro, que deveria ser Dendiesel, marca do
governo brasileiro, criado pela Ceplac). É o primeiro passo. Pretendo passar (sem ônus) o
conhecimento adquirido ao longo de 36 anos para escolas de todos os níveis, inclusive universidades,
retornando para o nosso povo os investimentos que ele fez para minha formação escolar e pela minha
manutenção como funcionário público.
AR - Qual é a estratégia em relação ao governo Federal que se instala em janeiro, com evidentes
mudanças na Ceplac?
HS - Pretendo ir a Brasília dirigindo a Parati ofertada pela Volkswagen, que também completa 18
anos (com a qual percorri 85 mil quilômetros com Dendiesel e outros 2 mil com éster metílico de óleo
de soja) e mostrar ao presidente Lula um caminho bom para o país tornar-se auto-suficiente em
biopetróleo e gerar os milhões de empregos de que tanto necessita.
AR - E o que o senhor vai dizer ao presidente?
HS - Antes de tudo dependo de patrocínio para esta viagem, pois não tenho recursos suficientes, sou
um trabalhador. Resolvida essa parte, quero chegar a Brasília usando Dendiesel e outro óleo, seja
soja ou cacau, e ter a oportunidade de dizer ao presidente que a Ceplac, desde que reformulada, é
instrumento indispensável para a implantação de um grande projeto nacional de agroenergia.