em Itabuna, com a população submetida a uma série de dificuldades. É o que conclui o médico
sanitarista Humberto Barreto de Jesus, ex-secretário de Saúde de Itabuna (no governo anterior do
prefeito Geraldo Simões), presidente do Grupo de Apoio à Prevenção à Aids (Gapa) e coordenador do
Programa de Hanseníase da Fundação Nacional de Saúde, 50 anos, casado, pai de 2 filhos, dos quais um
está cursando Medicina para dar continuidade ao processo de mais um médico na família, como ele faz
questão dizer.
Crítico habitual da forma como é gerenciada a saúde pública no município, Humberto Barreto defende
a municipalização dos serviços, mas não a forma como a mudança foi feita em Itabuna, pois em seu
entendimento a população foi submetida a turbulências, sem saber que isso lhe será útil no fim do
processo. O município não teve competência para ganhar a população na luta pela municipalização da
saúde, afirma o sanitarista.
A Região - Que avaliação o senhor faz das ações de medicina preventiva em Itabuna e as dificuldades apresentadas?
Humberto Barreto - Nós vivemos um período de arrumação da casa, e na verdade não estão sendo
priorizados os programas de prevenção. Creio que as dificuldades sejam estruturais, numa conjuntura
atual que impõe entraves, ou seja, não é uma situação específica de Itabuna. O modelo de saúde
reproduz o sistema que o país vive, priorizando a assistência hospitalar em detrimento da
ambulatorial. Digo isso mas na verdade não vejo duas coisas distintas, não existe uma linha
separando a assistência hospitalar da ambulatorial, o que há é uma visão de se dedicar à saúde o
que ela precisa e isso comporta a prevenção, e se for o caso, as ações curativas.
AR - E quanto à municipalização? Parece que a mudança trouxe certa anarquia ao sistema, gerando
descontentamento entre os profissionais da área...
HB - O descontentamento gerado em parte dos colegas e em pessoas que têm serviço de saúde, era
esperado. Afinal, estamos vivendo um momento de profunda transformação. As ações se desenvolviam em
Itabuna, como acontecia com todas cidades brasileiras, e eram comandadas por uma esfera longe desses
municípios. Hoje o poder e as decisões são tomadas em nível local, daí vivermos essa fase de
turbulência, de descontentamento. Creio que seja uma fase de arrumação, passageira.
AR - Mas a população está chiando muito com o novo sistema...
HB - Aí parece ser um problema de desinformação. O descontentamento dos prestadores de serviço era
uma atitude esperada mesmo. Quanto à população, nota-se que ela não percebeu claramente que as
mudanças são para lhe favorecer, isso não ficou claro para ela. Infelizmente a prefeitura não
cuidou dessa parte, não mostrou às pessoas que a mudança é em seu benefício. A população sofre com
todo esse período de turbulência e não percebe que no final terá um sistema de atendimento muito
melhor. O município não teve a competência para ganhar a população na luta pela municipalização da
saúde.
AR - E ocorrem filas enormes nos locais de atendimento, na Policlínica, por exemplo...
HB - Exatamente. Essas filas estão ocorrendo por falta de organização e divulgação. Por exemplo, uma
fila muito grande para cadastrar os moradores da cidade e fornecer autorização de exames não foi
explicada. Faltou uma ação mais efetiva para que as filas fossem reduzidas. A prefeitura não se
preocupou de dizer olha, essas filas são necessárias porque muitas pessoas de outros municípios
estão vindo para cá e isso tira os recursos de Itabuna, que são recursos de vocês. A população nunca
ouviu falar isso, então não tem como entender esse processo.
AR - Quais são outros estrangulamentos do sistema de saúde municipal em Itabuna?
HB - Uma questão que está sendo atacada, mas ainda timidamente, é o ambulatório. Não temos serviço
nos bairros com as especialidades básicas, ou seja postinho de saúde que tenha clinico, pediatra,
ginecologista. Acho que com essas atividades funcionando pela manhã, à tarde e nas primeiras horas
da noite, evitaríamos um grande estrangulamento que é o paciente procurar um hospital com um simples
corte ou uma dor, coisas que se poderia resolver no bairro mesmo.
AR - Mas esse postinho não seria um projeto muito difícil de executar?
HB - Sinceramente vejo isso aí como uma coisa simples de ser implantada. Agora, para que funcione
vai demandar recursos, vai exigir que se pague direitos aos profissionais, que os postos tenham a
mínima aparelhagem de apoio aos profissionais. E estou certo de que isso precisa ser feito
imediatamente.
AR - O senhor deixou o governo anterior de Geraldo Simões por não concordar com as diretrizes
impostas à Secretaria da Saúde. Isso mudou?
HB - Se houve mudanças não está dando para perceber. Se você me perguntar se eu aceitaria ser
secretário de Saúde, responderia que não. Isto porque ainda não conseguimos mostrar aos gestores
municipais, às pessoas que estão à frente dos órgãos em Itabuna, de que forma deve ser tratada a
saúde pública.
AR - Quais são as grandes frentes de combate da saúde preventiva em Itabuna neste momento?
Hanseníase, dengue, cólera?...
HB - Podemos dar uma guinada muito boa com relação a isso, porque com o movimento que ocorre a nível
nacional nós temos a oportunidade de descentralizar esses programas ou seja, capacitar as equipes
nos postos dos bairros. Há condições de implantar diversos serviços na periferia fazendo com que as
pessoas não precisem mais se deslocar até o centro da cidade para ter o tratamento de tuberculose e
hanseníase.
AR - Então o senhor considera que essas ações são suficientes para tranqüilizar a população?
HB - Acho que elas são básicas, importantes, mas não é só isso. Digamos que o município tenha uma
equipe da família implantada e que esta resolva 80% do casos, mesmo assim é necessário que se
encontrem alternativas para que os outros 20% restante sejam resolvidos. Precisamos garantir o
atendimento mais complexo que sempre necessita de uma atenção imediata.
AR - E a questão da quebradeira dos hospitais na região? Em Itabuna, por exemplo, há hospital que
fechou as portas e outros que parecem em vias disso...
HB - É triste vê uma instituição como o Maria Goretti, onde trabalhei, o São Lucas, um hospital
muito conhecido e com bons profissionais, e a própria Santa Casa de Misericórdia de Itabuna,
passando por sérias dificuldades. Muita gente diz que isso se deve à municipalização da saúde, mas
sou um dos que acham não ser esse o motivo da quebradeira...
AR - E quais seriam as razões?
HB - Acredito que muitas instituições chegaram a esse ponto por questões administrativas. Existem
aqueles que creditam as dificuldades à municipalização porque ela trouxe uma auditoria, está
fiscalizando mais. Mas isso foi necessário e se reverte em benefícios para a população. Pode ter
havido má gestão ou desatenção, a verdade é que não se inovou nem se procurou ampliar a oferta de
serviços na área de saúde. Então, os empresários dessa área pecaram nesse sentido. Essa é uma
análise superficial, mas é o meu pensamento.
AR - E a Aids? O Gapa, que o senhor preside, desenvolve um trabalho de conscientização junto aos
moradores do Maria Pinheiro...
HB - Estamos com o projeto Saúde Sexual na Família, um tipo de trabalho que não é feito pelo poder
público. São ações que funcionam mais com a organização da sociedade. Por isso o Gapa assinou um
convênio com Ministério da Saúde e com a Unesco e desempenhamos uma coisa que extrapola o horário do
funcionário, independe do horário do postinho está aberto.
AR - É um trabalho complementar...
HB - Pode ser interpretado assim, só que o projeto é desenvolvido tão somente por uma organização
não-governamental com recursos da Unesco. O nosso trabalho teria mais efeito se a unidade básica de
saúde daquele bairro estivesse funcionando, porque como eu disse, nossas ações são desenvolvidas no
corpo-a-corpo, com trabalho de educação, isso é muito mais do que simplesmente o atendimento da área
de saúde.
AR - O que é feito para atrair essas pessoas no Maria Pinheiro?
HB - A cada 15 dias o projeto cadastra 75 casais do bairro com o objetivo de debater as questões
envolvendo as doenças sexualmente transmissíveis. Nossa equipe vai de casa em casa e convida essas
pessoas para que elas participem do debate. O projeto, desenvolvido durante um dia inteiro, tem o
efeito multiplicado e acaba atingindo não só os moradores do Maria Pinheiro, mas os das adjacências.
Pretendemos atingir toda a população daquele bairro até o final deste ano.