29.Março.2003
"Ilhéus é uma cidade do já teve, já foi e já aconteceu"
- é o que diz o promotor de eventos Emanuel Mendonça, mais conhecido como Nenéu Mendonça, que
nasceu e sempre morou na cidade, se graduou no curso de Letras e fez pós-graduação em
Administração Hoteleira.
Nenéu iniciou a carreira jornalística em 1976, com Luís Wilde, quando fundaram a Editora Bahia
Destaque e publicaram a primeira revista da região, Bahia Destaque. Os dois revolucionaram o
setor, incluindo em sua revista todos os acontecimentos da Região Cacaueira e não apenas os
álbuns de sociedade, como era feito antes.
Em 1977, Nenéu começou a escrever para jornais como Jornal da Bahia, A Tarde, Diário da Tarde
e Shopping News entre outros. E começou a promover eventos. Ele não trabalha mais como
colunista, mas continua realizando eventos e é técnico de nível superior na Secretaria da
Fazenda em Ilhéus.
A Região - Quem forma, atualmente, a alta sociedade de Ilhéus?
Samuel Martins - Essa questão vai muito de saber qual o significado da expressão "alta
sociedade", porque existe a alta sociedade, que é o patamar de qualquer cidade, independente de
freqüentar os lugares ou não. Esta é a classe do poder. A sociedade que transita nos salões
badalados tem outro nome: "café society", expressão usada pelos colunistas nas décadas de 40 e
50. A pessoa pode ser da alta sociedade e não freqüentar o "café society", que é a
efervescência social.
AR - AR - Então a alta sociedade é a que tem o poder?
NM - A nossa sociedade vem de uma "aristocracia" rural, pois na verdade fomos
colonizados por desbravadores que vinham de outras regiões, como Sergipe. Eles tomavam terras -
poucos as compravam -, plantaram cacau e fizeram fortuna até a década de 30, quando imperava o
coronelismo. Nessa época, estas famílias firmaram suas fortunas, que mais tarde foram
dilapidadas por seus netos e bisnetos.
AR - Então a região começou a ter lucro na década de 30?
NM -
Sim, nós tínhamos em Ilhéus um porto que foi o primeiro do Brasil a receber navios vindos
da Europa, e tudo chegava em Ilhéus antes das outras regiões. Os produtos iam de jóias e móveis
a mármores e obras de arte. O dinheiro do cacau a tudo comprava.
AR - Por que os descendentes não souberam administrar as fortunas?
NM - Porque eram muitos filhos, e quando o coronel morria, o dinheiro era dividido
entre eles, não representando mais o total. Daí, da década de 80 para cá, com a
vassoura-de-bruxa, foi se dilapidando ainda mais e o que se vê hoje são pouquíssimas pessoas
vivendo única e exclusivamente do cacau. Estas são as que acreditaram e tiveram cacife para
clonar.
AR - Depois da vassoura-de-bruxa, como ficaram os fazendeiros?
NM - Aqueles que tiveram filhos que estudaram, hoje estão muito bem, pois a maioria
deles é formada por profissionais liberais, principalmente médicos, e esta é uma profissão
capaz de suportar qualquer desgaste econômico. Por outro lado, os que não procuraram uma
formação tiveram que procurar outra forma de vida. Muitos vivem da própria fazenda, não do
cacau, mas sim de frutas e verduras, por exemplo.
AR - Esses cacauicultores continuam formando a alta sociedade?
NM - Eu diria que eles formam a aristocracia, porque têm "pedigree", são pessoas
bem-nascidas, de famílias desbravadoras dessas terras. O que vemos muito são sobrenomes
famosos, mas o dinheiro mesmo foi para outras mãos. Muitos tiveram que se desfazer de suas
propriedades, mas outros mantém sua fortuna. Continuam com suas terras, mas não com a mesma
fortuna, até pelas crises econômicas.
AR - Por que você acha que Ilhéus, hoje, é uma cidade atrasada?
NM -
O que atrasa a cidade são as próprias pessoas, e principalmente os políticos, que são uma
corja de egoístas, só pensam nos seus bolsos. Ilhéus é tida como uma cidade turística, mas na
verdade não é. É uma cidade que não consegue se definir como turística, rural, nem de pecuária.
Ela tem tudo, mas não tem nada. O turismo é incipiente, pois somos uma cidade de veraneio que
recebe um bando de pessoas de baixa renda, que aluga uma casa, coloca 30 pessoas dentro e traz
quase tudo de fora por ser mais barato.
AR - Mas este visitante não ajuda o turismo local?
NM -
Ninguém vem para cá investir e sim para tirar o pouco que temos. Não temos atrativos reais
para trazer o verdadeiro turista, aquele que deve deixar em cada cidade que visita uma média de
R$300,00/dia. Praias bonitas não bastam para estas pessoas, que podem muito bem ir e vir a
qualquer paraíso turístico com bons atrativos.
AR - Os empresários do Pólo de Informática passaram a fazer parte da alta
sociedade?
NM -
São emergentes, mas nunca vão representar a aristocracia do cacau, pois Ilhéus sempre foi
uma cidade muito fechada. Aristocrata é aristocrata. Quem tem dinheiro, tem dinheiro.
Logicamente existe um grupo de pessoas de fora, que chegou depois dessa crise e forma o grupo
emergente, mas não faz parte dos que tem "pedigree". Porém esses emergentes vivem na cidade,
trabalham nela, a escolheram para morar e gastam nela, então, de qualquer forma, fazem parte do
"café society".
AR - Com a clonagem do cacau, os fazendeiros podem resgatar o antigo status?
NM -
Aqueles que acreditaram na clonagem desde o início já estão ficando em boa situação.
Outros plantaram recentemente e começam a colher o fruto-de-ouro com um preço bem melhor. Eu só
espero que daqui pra frente a lição tenha sido aprendida. Antes eles investiam pouco nas suas
propriedades e existia uma falta de cuidados na plantação, no cultivo. A maioria só ia à
fazenda verificar quantas arrobas iam colher pra vender antes mesmo da colheita. Muitos
gastavam esse dinheiro com viagens, festas, etc.
AR - O que você acha que falta para Ilhéus crescer?
NM -
Sinceramente, penso que as pessoas precisam se unir e lutar pelo bem da cidade. E deve ser
definido seu verdadeiro potencial. O atual prefeito fez plataforma eleitoral em cima do turismo
e nada fez. Mucuri, que ninguém conhecia, hoje está na mídia. Isso sim é gostar de sua cidade,
acreditar e investir nela. Ilhéus, na minha opinião, é a cidade mais bela do mundo, mas as
pessoas só sabem destruí-la.
AR - É uma cidade que ainda não teve sua chance?
NM - Eu diria que é a cidade do "já teve", "já foi" e "já aconteceu",
tudo no passado. Até o Centro de Convenções foi construído no lugar errado. O local deveria ser
estipulado pelo plano diretor, que indica para onde a cidade deve crescer. Em Ilhéus, por
politicagem, foi escolhido o centro, onde nada será realizado ao seu redor.
AR - Existem outros problemas deste tipo?
NM -
Os galpões do antigo porto poderiam ser aproveitados para expandir o comércio, porém mais
uma vez a politicagem não acelera esse processo e o local virou um antro de marginais. No
frigir dos ovos, eu acredito que nós é que devemos mudar, pois cada povo tem o governo que
merece. Não podemos esquecer que "quem com porcos andam, farelos comem".