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3.Maio.2003

"É preciso que as pessoas assumam a arte como benefício"

- é o que diz Romualdo Lisboa, que começou fazendo teatro aos oito anos, em Ibicaraí, com o apoio do tio Gil Lisboa, também ator.
       Hoje, com 29 anos, já apresentou diversos espetáculos em Ilhéus, com a ajuda de Pedro Matos e Équio Reis, que foram pessoas muito importantes para sua carreira artística. Cursou filosofia na Uesc e acredita que foi este curso que deu a estrutura para que ele pudesse fazer teatro da forma que o Teatro Popular de Ilhéus faz.
       Em 2001, com a morte de Équio Reis, fundador da Casa dos Artistas, Romualdo passou a dirigir a Casa juntamente com um grupo, dividido em núcleos de teatro, dança, artes plásticas, música e produção. É coordenador de projetos do Teatro Popular de Ilhéus.

A Região - Como surgiu o Teatro Popular de Ilhéus?
Romualdo Lisboa - O primeiro grupo do Teatro Popular de Ilhéus foi fundado em 1995, por Équio Reis, eu, Tânia Barbosa, Val Cacau, Franklin Costa, Delson Costa e Tereza Damazio. Este grupo montou o primeiro espetáculo do TPI, "A história engraçada e singela de Fuscão, o quase carrão, e o cabo eleitoral," um texto de Équio, baseado na literatura de cordel.

AR - Como era o grupo?
RL - O grupo nasceu com uma estrutura de teatro popular. Nossa idéia sempre foi de ter um grupo fazendo teatro popular de verdade, ou seja, aquele que é feito para todo mundo e com qualidade artística. Desde que estreamos este espetáculo, não paramos mais. Passamos a montar um espetáculo atrás do outro, sempre nas praças, nas escadarias da Catedral - com a Via Sacra e Autos Natalinos - além de outros no Teatro Municipal.

AR - Como foi depois que Équio Reis faleceu, em 2001?
RL - Eu assumi a direção do grupo. Mas enquanto ele estava vivo, nós sonhávamos muito. Pensávamos no Teatro Popular de Ilhéus com um espaço próprio, com bibliotecas, cursos. Após a sua morte, eu fiquei com a idéia de montar uma ong, e foi o que fizemos.

AR - O Teatro Popular sempre contou com o Teatro Municipal?
RL - Enquanto Équio dirigiu o TPI, nós nunca tivemos contato direto com Pedro Mattos, do Teatro Municipal. Mas, depois que Équio faleceu, Pedro começou a participar como ator do teatro popular. Para mim foi um prazer enorme ter Pedro Mattos como ator de um espetáculo que dirigi. Depois, escrevi uma peça para a Marinha, chamada "O auto dos navegantes," da qual ele participou, pouco tempo antes de ficar muito doente. Depois ele se restabeleceu e nós resolvemos assumir a Casa dos Artistas.

AR - Como isso afetou o Teatro Popular de Ilhéus?
RL - O grupo de Teatro Popular, que até então era um grupo sem sede, sem um espaço determinado, a pedido de Bruno Susmaga, que era o coordenador da Casa, assumiu a Casa dos artistas em março do ano passado, e em julho nós inauguramos o Teatro Pedro Mattos, com "Sganarello, o corno imaginário," um espetáculo onde Pedro Mattos atuaria, se não tivesse falecido algumas semanas antes. Este espetáculo já esteve no Vila Velha e hoje está em cartaz todos os sábados na Casa dos Artistas.

AR - Como vocês conseguem manter a Casa dos Artistas?
RL - Nós mantemos a Casa dos Artistas com recursos próprios, vindos da venda de ingressos, quadros, esculturas, camisetas, sendo que, de tudo o que vendemos, 30% fica para a Casa. Com isso temos que pagar luz, telefone, livraria e outros custos. A Prefeitura Municipal nos apóia na medida do possível, como por exemplo, com materiais gráficos e uma ajuda financeira.

AR - Como foi a programação de verão?
RL - Abrimos no dia 11 de novembro e ficamos até 16 de fevereiro, com espetáculos todos os dias na Casa, sendo que cada dia tinha um espetáculo diferente. Foi muito interessante, pois tivemos um grande número de turistas visitando a Casa e assistindo aos espetáculos. Foi uma repercussão até a nível nacional, pois recebemos correspondências de São Paulo e do Rio de Janeiro.

AR - E depois do verão?
RL - Depois que encerramos a programação de verão, iniciamos a nova em março, com espetáculos todos os dias, de música, teatro, dança, artes plásticas, literatura popular...

AR - Além desta programação, existem outros projetos em vista?
RL - Nós temos projetos encaminhados e já foi aprovado pelo governo do estado o "Rodando Ilhéus," que está em fase de captação de recursos e deve começar em junho. Com este projeto vamos sair da Casa dos Artistas com dois espetáculos, visitando oito bairros de Ilhéus, onde os apresentaremos e iniciaremos uma série de oficinas de teatro, música e dança.

AR - Qual a finalidade destas oficinas?
RL - Os membros de cada uma destas comunidades passarão um mês estagiando na Casa dos Artistas, vivenciando nossa forma de trabalho, nossas técnicas, desde a montagem de cenário até a pequena produção. A partir daí esse grupo vai participar de uma oficina de produção tocando seu próprio espetáculo. Este projeto tem a duração de um ano, e a idéia é que, no término deste período, tenhamos um grande festival de teatro popular na cidade.

AR - O que falta para o projeto ser colocado em prática?
RL - Algumas empresas já foram contatadas e este é um projeto que acontece em parceria com o Teatro Vila Velha, em Salvador, fundado na década de 60 por Équio Reis. Márcio Meirelles, o diretor do teatro, costuma dizer que o Teatro Popular de Ilhéus é filho do Vila Velha e, por isso, precisamos caminhar juntos.

AR - Onde entra o Vila Velha?
RL - Este projeto é do Vila Velha e se chama "Rodando a Bahia," que nós adaptamos como "Rodando Ilhéus," e que pretendemos ampliar para outras cidades vizinhas. Tem uma equipe do Teatro Vila Velha e outra do Teatro de Ilhéus captando recursos, dos quais dependemos, mas eu acredito que vamos conseguir em breve.

AR - Existe algum outro projeto para este ano?
RL - No ano passado iniciamos outro projeto chamado "Clássicos do Teatro Universal," onde montamos anualmente uma peça clássica. A primeira foi "Sganarello, o corno imaginário," de Molière. Neste ano pretendemos montar uma de Bertold Brecht. Consideramos este projeto bastante ousado, pois faremos uma temporada simultânea aqui e em Salvador. Em julho o TPI estará no Teatro Vila Velha com o novo espetáculo "Pega Pá Capá," que estreou em janeiro.

AR - A sociedade tem demonstrado interesse nos espetáculos?
RL - Durante o verão tivemos um grande número de turistas, mas estamos percebendo que as pessoas daqui estão se interessando mais. No final de semana fica lotado e nos dias de semana é mais difícil, mas mesmo assim temos um público legal.

AR - Vocês têm recebido apoio das empresas?
RL - Não, o acesso tem sido complicado. Em geral, nós ligamos para a empresa dizendo que temos um projeto que pode interessá-la, podendo aliar sua marca a um produto sócio-cultural. Geralmente as pessoas dizem que não podem atender ou pedem pra ligarmos em outra hora, enfim, é uma relação muito desgastante. Como nós somos artistas e não vendedores, decidimos contratar uma equipe de captação de recursos, que se responsabiliza por contatar as empresas.

AR - Por que você acha que é tão difícil conseguir esse apoio?
RL - Os empresários da região não têm consciência de que investir em cultura pode trazer retorno para eles. Nos grandes centros culturais o empresariado já acordou para isso. Ao aliar a marca da empresa a um produto sócio-cultural os empresários estarão informando aos seus consumidores que, ao comprar seus produtos, estarão contribuindo para a cultura e o desenvolvimento social da comunidade.

AR - O que é preciso para isso?
RL - É preciso que os empresários vejam este apoio como um investimento e não como uma doação. Ao invés de investir em publicidade comum, ele pode fazer sua publicidade através de um bem cultural. Isso tem uma força muito maior. E os empresários nem têm que bancar 100% do projeto. No caso do "Rodando Ilhéus," por exemplo, o empresário arca com 20% e os outros 80% serão recursos do ICMS. Cansamos de mendigar patrocínio. Não mais pedimos aos empresários que nos patrocinem, agora nós oferecemos a eles a oportunidade de aliar seus produtos a um bem cultural.

AR - As escolas particulares também não apóiam a cultura?
RL - Poucas escolas têm a visão da importância desse tipo de trabalho para a vida dos alunos. Precisamos reeducar as pessoas para assumir a arte como mais um benefício para a vida delas. Isso é um processo educativo, que tem que começar nas escolas. As escolas públicas estão sempre presentes no Teatro e na Casa dos Artistas mas, infelizmente, isso não acontece com as particulares. Elas têm preparado os alunos apenas para o vestibular.

AR - Isto influi na maneira de encarar a cultura?
RL - Claro. Em um espetáculo do Núcleo de Artes da Uesc os alunos de uma escola particular se comportaram com uma falta de educação enorme, com xingamentos, palavrões e muita bagunça. Eu fui assistir ao espetáculo e não consegui escutar absolutamente nada. O que mais me deixa impressionado é que são escolas que, no seu curriculum escolar, oferecem teatro. Todo ano vemos alguma apresentação teatral feita nas escolas, mas não entendemos que tipo de teatro é esse que está sendo feito por lá.

AR - O que é preciso para fazer teatro de verdade?
RL - Em primeiro lugar, é preciso gostar do que faz. Muitas pessoas vêem o teatro como um trabalho qualquer e não como arte. E acabam fazendo uma peça teatral que chamam de teatro mas que, nem de longe, deveria ser chamada assim. Isto é decepcionante para quem realmente aprecia a arte.

AR - Dá para mudar isso?
RL - Estamos nos organizando para fazer um seminário sobre política cultural, para que a comunidade possa interferir nas ações da Fundação Cultural de Ilhéus, que terá em breve um novo presidente. Queremos sair da função de "críticos" para a função de parceiros. Temos que sair do paternalismo e passar para uma visão de parceria.

 

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