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27.Julho.2002

"Eu estou no governo para ajudar, não para ficar inerte nem contra"

destaca Ubaldo Dantas, vice-prefeito de Itabuna numa coligação com o PT, candidato a deputado federal, ex-secretário de Saúde de Salvador e freqüentemente reverenciado como um dos melhores prefeitos da história da cidade (cuja convivência ele define com um termo de sua preferência, complicada). Nele habitam duas pessoas aparentemente antagônicas: Ubaldo administrador faz jus à fama de ter visão, ser honesto e possuir espírito público; já Ubaldo político se acha no direito de dizer o que lhe vem à cabeça (hábito impensável na vida partidária) e disso fazer um caminho para ganhar aborrecimentos e perder votos. Cardiologista e especialista em medicina sanitária, conhece os perigos da má alimentação, e não morre pela boca que come. Morre pelo pelo que diz.
       Na entrevista a seguir, Ubaldo Dantas fala da política nacional, manifesta-se disposto a integrar-se na luta pela recuperação da economia regional, coloca idéias novas e próprias na reforma política. E para variar distribui generosamente alfinetadas no prefeito Geraldo Simões (eu tinha mais equipe, mais entrosada, com maior confiança...), no secretário da Saúde Edson Dantas (pelo modelo de gestão da medicina pública) e deixa claro que as relações na coligação com o PT são (para usar um termo que lhe é muito caro) complicadas.
       Abaixo a entrevista concedida ao presidente de A Região, Marcel Leal:

A Região - Qual a diferença da Itabuna de quando o senhor foi prefeito para a Itabuna de agora?
Ubaldo Dantas - Na verdade, tanto eu quanto Geraldo pegamos heranças complicadas, a cidade em estado de completo abandono. Quando comecei a ser prefeito a inflação era alta, chegava a 80% ao mês. Só isso já trazia grandes transtornos para o país, os estados e os municípios. Tínhamos de correr todos os dias para depositar os salários ganhos e ainda tentar imaginar o que iria acontecer no final do ano, com salários e décimo-terceiro dos funcionários e os pagamentos dos fornecedores que o meu antecessor deixou por pagar. O atual governo também recebeu uma herança maldita, mas a sensação é de que eu tinha mais equipe, mais entrosada, com maior confiança, parecia até que todos eram de um só partido.

AR - Sua equipe teve um destaque muito grande na saúde, o que nem foi surpresa, pois o senhor é médico...
UD - A pessoa que ficou na Secretaria da Saúde foi Ubiratan Moreira, que a gente chamava de doutor Bira. Veja só que coincidência e como o mundo dá voltas: eu trouxe Ubiratan de Maceió porque ninguém queria ser secretário como o município exigia, com dedicação de tempo integral, tendo que fechar consultório, deixar de operar, abandonar plantões, era muito complicado.

AR - E agora, como o senhor avalia a questão da saúde em Itabuna?
UD - O doutor Edson (Dantas) é esforçado pra valer, tem umas limitações para exercer a função, como autorização da equipe, essas coisas. Hoje a posição de secretário-gestor é mais forte do que era antigamente... O PT nem gosta quando eu comento esse ponto, mas a verdade é que o modelo usado facilita muito por um lado e dificulta pelo outro, porque no final depende da autoridade do prefeito. A Policlínica pertence à prefeitura, mas não está no âmbito, nas mãos e sob a autoridade do secretário da Saúde. Como se pode controlar quem recebe, quanto gasta com o ambulatório, o que se pode fazer para melhorar o hospital, como pode ser o atendimento para a população das cidades vizinhas? Tudo isso tem que ser programado, porque o dinheiro utilizado no final é um só, que é o dinheiro da saúde de Itabuna.

AR - O senhor acha que a Policlínica resolveu os problemas que justificavam sua criação?
UD - Existe uma relação nova e complexa envolvendo as cidades vizinhas. Itabuna oferece o que tem de melhor em saúde na região, então é evidente que a tendência da população de outras cidades é buscar atendimento no município. Outro dia perguntei como é que vai ficar isso e me disseram que iria piorar!... Indaguei: como?. Porque as cidades vizinhas vão iniciar, até por obrigação e muito incentivo do Ministério da Saúde, a tal medicina comunitária, de família, com programas como Saúde da Família, Agente Comunitário de Saúde, e quanto mais a Prefeitura de Itabuna for cobrindo as outras localidades, mais vai aumentando o federal não só quantitativa mas qualitativamente. Chegará ao ponto que não vamos ter nenhuma despesa com atendimento mais simples. Quando então os programas de saúde estiveram funcionando nos municípios vizinhos, eles vão resolver o básico, que é o dia-a-dia, mas vão mandar muito mais gente para o lugar em que se resolvem os casos mais delicados. Que lugar esse? Itabuna, que é pólo e conta com a Policlínica e os hospitais. Se não houver um preparo prévio para harmonizar essas coisas, discuti-las com a classe médica e os prefeitos da região, vai ficar muito complicado.

AR - Dizem que o PT trouxe milhões de reais do Congresso, Davidson Magalhães e até Rui Machado dizem que viabilizaram recursos para o município, ficando a impressão de que o senhor nada obteve...
UD - Todo mundo sabe que determinadas notícias publicadas na coluna de um certo jornal, não passam de recados ao prefeito Geraldo Simões. Essa história de que não tenho feito nada não é verdade. Nas primeiras semanas que estive em Brasília realmente não trouxe nada porque fui suspender, avaliar e negociar a inadimplência da prefeitura, deixada pelos prefeitos anteriores. Meses depois comecei a trazer recursos de várias maneiras, dinheiro virgem que ninguém tocou, não sabia como é que era. Por exemplo, o Bolsa-Alimentação, que está beneficiando 4.800 pessoas no município, foi trazido por mim, sem ajuda de ninguém. Existem também diversas obras executadas no município com recursos federais e para que esse dinheiro fosse liberado se fez necessário que eu atuasse junto ao presidente da República. Você acredita que a verba da União que foi aplicada na ampliação do sistema de abastecimento de água sairia sem a participação de uma pessoa ligada ao governo Federal? Estou no governo para ajudar, não para ficar inerte nem contra.

AR - A coligação multipartidária do prefeito Geraldo Simões, mais a escolha de candidatos ao nível federal, Luis Inácio inclusive, vão atrapalhar a convivência do grupo, a partir de janeiro de 2002?
UD - Vou ser sincero: já estão atrapalhando, pois existe uma mudança muito grande na Prefeitura de Itabuna. Nós éramos mais amigos, educados, cavalheiros e hoje está desaparecendo isso, está esgarçando essa coligação, alguns falam com clareza, outros não. Mas minha sensação é de que a coligação semelhante, independente de quem seja o vencedor como presidente, está muito difícil de se repetir. É impossível? Não, porque o prefeito é sempre a figura-chave, mas será muito complicado.

AR - Diante de todo esse quadro, vai ser impossível o casamento com o PT?
UD - Não acredito que o Lula vença, mas se chegar à presidência espero que o PT tenha um controle muito grande para lembrar desse passado e projetar o futuro, percebendo que não ganharam sozinhos e que fica impossível governar sem os aliados.

AR - O que o senhor acha da verticalização? ela deve ser adotada independente de ser considerada inoportuna neste momento?
UD - A reforma política, eleitoral e partidária está a caminho e isso aí é só o começo. O que eu defendo é um processo simples, proponho que se criem mecanismos, como por exemplo o cidadão votar no partido completo, ao contrário do que ocorre hoje com o eleitor perdendo um tempo danado para digitar tantos números, para no fim eleger o candidato e deixar o partido em segundo plano.

AR - Isso não passa por essa tal verticalização?
UD - A verticalização é uma vantagem muito grande, mas a população no geral ainda não pegou o sentido da coisa. Mas mesmo com as suas vantagens, esse processo permite o voto camarão, coligação branca, a malandragem brasileira.

AR - Outro tema que parece muito caro à reforma política é o voto distrital. Como o senhor avalia essa proposta?
UD - Na Alemanha existe o voto distrital mas é misto e tem uma lista. No Brasil está se caminhado para que o voto seja patrocinado pelo orçamento público, na tentativa de diminuir essa malandragem com o dinheiro. Comenta-se que para ser deputado federal tem gente que vai gastar até R$ 3 milhões.

AR - Qual a sua expectativa para Itabuna para daqui a dois, três anos?
UD - Estou preocupado, me comprometendo a buscar soluções para a questão do cacau. Tenho visitado fazendas, meu irmão é cacauicultor, meus pais foram e nós nascemos aqui, então eu quero força, participar e ser uma das lideranças ligadas ao movimento do cacau. Outra preocupação minha é com o problema do saneamento urbano de Itabuna, que é uma cidade muito carente nesse setor. Vamos buscar alternativas para essas questões.

 

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