Opinião
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30 de Março 2011
Adelindo Kfoury, historiador da FunJup
“Fico muito triste com tanta insensibilidade”
da prefeitura para com a identidade cultural e histórica de Itabuna. É a opinião do historiador da Fundação Jupará, Adelindo Kfoury, a principal referência da história de Itabuna, que pesquisa há mais de meio século.
Rotariano, jornalista, palestrante, escritor, autor de vários livros e artigos sobre a trajetória da cidade, incluindo “Itabuna, Minha Vida”, Adelindo lamenta a falta de sensibilidade por parte de um poder que deveria proteger o patrimônio e não destruí-lo.
Como historiador, qual sua opinião sobre essa ideia da demolição do Divina Providência?
A notícia não poderia ser pior. Trata-se de um dos últimos marcos urbanos de nossa história. Infelizmente, vejo consolidar-se um fenômeno preocupante e fico triste com tanta insensibilidade.
Como assim?
A fragilização do sentimento “ser itabunense”, ao longo dos últimos 30 anos, aponta para uma nova conformação social. Tornamo-nos uma terra de poucos filhos e muitos “donos”.
É procedimento comum dispensar pouca importância às nossas tradições. Somente surgem frágeis ações pontuais para correções, após gritos de alerta de uns minguados resistentes... Aquela manjada prática de tentar “apagar incêndios” com baldes de água.
Qual a razão disso?
Sem intenção de qualquer ironia, apenas a título de figuração, lembraria que os soldados das legiões romanas ficavam aquartelados fora do perímetro urbano para não sofrerem influências do povo... Veja-se o atual exemplo sobre o que vocês me entrevistam.
As autoridades atuais decidiram por ignorar fatos dos quais têm, ou parecem ter, apenas vaga ideia. Aquele prédio não é um simples casarão em ruínas. Sua construção e seu uso integram capítulos importantes da nossa história.
Pode fazer uma síntese para os leitores?
A Sociedade São Vicente de Paula, fundada em 1913, é uma das mais respeitáveis instituições de Itabuna. Quando, em 1918, grassou aqui uma epidemia de varíola, montou um lazareto provisório na zona do Lava-Pés, para abrigar os infectados e proporcionar-lhes assistência espiritual, médica e alimentar.
Logo no ano seguinte seus membros tomaram a iniciativa de construir um prédio com instalações adequadas ao Ginásio Divina Providência, que funcionava precariamente no salão paroquial, onde em nossos dias existiu o consultório de Dr. Moacir Oliveira.
Foi nomeada uma comissão composta por Dr. Celso Fontes, Francisco Fontes, Otávio Mendonça, José Zenon Couto, Astério Rebouças, tendo como tesoureiro Ramiro Nunes de Aquino. A fim de angariar recursos, tiveram a ideia de montar um cinema...
Um cinema de verdade mesmo?
Sim. E que recebeu o nome de “Cinema Vicentino”. Aproveitaram espaço no fundo da Capela de Santo Antonio, cuja entrada passava por um corredor ao lado, armaram várias fileiras de bancos em madeira e compraram um projetor “Phaté-Fraire” que funcionava com manivela movida a mão.
Infelizmente não deu certo e, ao cabo de 20 meses, já registrava prejuízo de 12 contos de réis, logo dividido entre os abnegados componentes da Comissão. Então, resolveram pedir ajuda à comunidade fazendo centenas de visitas, colhendo contribuições em dinheiro e materiais.
Terminada a construção em 1924, para quitar débitos contraídos junto a fornecedores, pagar folhas de operários, etc. faltava a quantia de 30 contos de réis.
Numa reunião no palacete do Coronel Ramiro Nunes de Aquino, após várias discussões como arranjar recursos, ele se dirigiu ao cofre existente na sua alcova, retirou a quantia e colocou sobre a mesa, recusando o termo “empréstimo” sugerido pelos companheiros.
Será que os membros da Comissão de Destombamento sabem dessa história?
Creio que não, assim também como a maioria da população. Os idealistas que deixei para trás parece que deserdaram. Isso não faz bem à nossa terra.
Tudo que foi construído por nossos antepassados custou sacrifícios e muita abnegação. A destruição desse prédio tem variáveis mais complexas do que os leigos podem imaginar.
Afinal, qual a sua posição concreta sobre tudo isso?
Cá estou, de peito aberto. Sou contra. Para mim, o eixo principal de uma política para preservação de nossa identidade cultural carece de ações absolutamente isentas de sectarismo, conveniências políticas ou financeiras. O assunto precisa ser tratado com racionalidade.
Você acredita que o problema envolve interesse financeiro ou político?
Quando analiso as coisas de Itabuna, não me permito entrar nessas duas searas. Tudo que fiz até hoje para preservar nossa História, os custos foram suportados pelo meu bolso, nunca recebendo qualquer tipo de ajuda particular ou “incentivo oficial”.
Quanto a interesse político, sempre repito que até as pedras sob o asfalto da Cinquentenário sabem que não pertenço a qualquer partido. Daí, portanto, sentir-me absolutamente à vontade para aceitar ou não qualquer coisa.
Entendo que todo cidadão tem obrigação de respeitar o principio de autoridade dos seus dirigentes comunais, porém jamais abdicar ao direito de defender a terra onde moureja. Aprendi durante o múnus da judicatura de paz não fazer julgamento sem provas.
Mas como sempre penso com minha cabeça sem preocupar-me com os misólogos de plantão, será bom afirmar que também absorvi o conceito de que tudo feito com honestidade de propósito deve ser transparente.
Em sua opinião está havendo alheamento dos alunos e ex-alunos?
Acho que sim. Sem intuito de pregar ações desatinadas, de vandalismos ou agressões, mas pelo fato de existirem centenas de homens e mulheres que ali fizeram seu curso ginasial, hoje ocupando posições influentes nesta e em outras cidades, projetando-se magnificamente em seus vários campos de profissão, creio que teriam o dever de pelo menos esboçar qualquer forma de ajuda na preservação desse nosso patrimônio cultural.
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