13 de Março de 2004

Arléo Barbosa, professor e historiador
"É ruim ter vocação para professor"

       num país capitalista afirma Arléo Barbosa, autor do livro Notícia Histórica de Ilhéus, uma das maiores publicações sobre a cidade. O escritor, professor e sociólogo Carlos Roberto Arléo Barbosa revolucionou o estudo de história e após constatar não haver qualquer publicação sobre a memória do município, decidiu fazer sua própria pesquisa.
       Hoje seu livro é incluído na bibliografia de obras internacionais e é praticamente impossível pesquisar sobre a história de Ilhéus sem recorrer a ele, que está na quarta edição, revisada e ampliada com fatos da vida moderna de Ilhéus.
       Nessa entrevista Arléu Barbosa conta como surgiu sua afinidade com a história, narra fatos interessantes que marcaram a cidade e como o ensino da história, hoje obrigatório, pode contribuir com o desenvolvimento da cidade.

A Região - Como surgiu a idéia de lançar um livro contando a história de Ilhéus?
       No início da década de 60 eu passei a ser professor de História da Bahia e de Ilhéus no Instituto Municipal de Educação(IME), e na época não contava com nenhum trabalho sobre a história da cidade. Foi aí que resolvemos pesquisar e coletar informações na biblioteca da Associação Comercial de Ilhéus, que na época dispunha de um excelente acervo, e no instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Organizamos uma apostila e distribuímos com os alunos. Como sobraram algumas, resolvemos distribuir com pessoas ligadas a Ilhéus e muitas delas fizeram comentários nos jornais, me aconselhando inclusive a publicar o trabalho. O advogado e dono de uma gráfica, Afro Leal, que foi vereador e prefeito interino de Ilhéus, resolveu publicar. A primeira edição foi em 1973 e demos o nome de "Nhoesembé - Monografia de Ilhéus".

AR - O que significa Nhoesembé?
       Era assim que índios chamavam Ilhéus e significava praia das conchas.

AR - Mas como saiu de Nhoesembé para "Notícia Histórica de Ilhéus"?
       Resolvemos dar um caráter mais didático a esse trabalho e, ao lado da professora Horizontina Conceição, acrescentamos um material geográfico e fizemos o livro intitulado "Ilhéus", publicado pelo Instituto de Cacau da Bahia. Depois, com o centenário de Ilhéus, em 1981, o prefeito da época me convidou para escrever um livro sobre a história de Ilhéus. Procurei a professora para ver se ela queria fazer parte desse trabalho, mas ela não quis. Deixei o livro Ilhéus e voltei ao aspecto amplo e histórico com o nome "Notícia Histórica de Ilhéus", publicado no centenário da cidade. O livro esgotou, republicaram uma segunda edição e depois uma terceira, com muitos erros gráficos. Eu resolvi ampliar lançando esta quarta edição. Tem alguns erros gráficos, mas eu gostei.

AR - Como está a oferta de materiais sobre a história da cidade?
       Hoje existe uma imensidade de material. Um dos exemplos é o Centro de Documentação (Cedoc) da Uesc, dirigido pela professora Janete Macedo, que conseguiu guardar um acervo excelente sobre a história da região, desde a hemeroteca até documentos mesmo. O próprio Cedoc se encarrega de ajudar, nos municípios, os arquivos públicos, juntando obras que foram publicadas sobre a região, desde monografias a teses de mestrado. Ainda há muitos caminhos para rastrear, mas já há muito material para pesquisa.

AR - Em 1995 a Câmara Municipal aprovou o ensino da História de Ilhéus nas escolas. Como está isso?
       Muitas escolas públicas e particulares já adotaram o estudo de história de Ilhéus. A dificuldade é a própria grade curricular, que às vezes não tem espaço nas escolas e, para suprir essa falta, as escolas colocam a matéria junto com a história do Brasil.

AR - Nossos guias estão preparados para contar a história de Ilhéus aos turistas?
       Há alguns profissionais que estão preparados. Houve uma época em que se deu um excelente curso, com vários professores, fui inclusive um deles. Saiu um grupo preparado e esses profissionais estão trabalhando entre os turistas mais ilustres. Depois disso não houve mais cursos. Não está descartada a possibilidade de guias despreparados contarem histórias fantasiosas, mas isso acontece não só aqui, como em toda parte.

AR - Dizem que o senhor conta a história com H como se estivesse contando história com E. Essa é uma técnica para atrair a atenção dos alunos?
       É ... O professor, principalmente nós, que trabalhamos com poucos recursos didáticos, tem que procurar recursos e uma maneira de fazer com que o aluno se interesse pelo assunto. Tento dar uma aula de história como se tivesse vivido naquela época. Na verdade, procuro trazer o acontecimento para a sala de aula, como faz o artista em suas peças teatrais. E isso tem agradado à maioria dos alunos.

AR - Depois de ensinar por 40 anos, já pensou em se aposentar de fato?
       Sou professor há 44 anos e faço o que gosto de fazer. Às vezes me sinto cansado, como se estivesse doente, mas quando entro na sala de aula parece que tudo muda. Sou muito tímido, mas na sala de aula parece que a timidez vai embora. É como se fosse uma força telúrica que vem do chão e me anima. O que gosto mesmo é de sala de aula. Nasci para ser professor.

AR - Com tanto conhecimento, não seria economicamente melhor escolher outra profissão?
       É ruim, num país capitalista, ter vocação para professor, pois é como de abdicasse do conforto e de qualquer ambição material. Pela própria regra do capitalismo, não há como ganhar bem sendo professor, por isso é que digo que o professor é sempre um abnegado.

AR - Seu livro traz informações sobre a construção da cidade, mas tem também fofocas?
       Há muitos aspectos bonitos na história de Ilhéus. Por exemplo a aventura de Sebastião Magali, em 1907, um bando de nove homens que invadiram Ilhéus com a farda do exército norte-americano numa época em que a belicosidade havia se apoderado da Casa Branca no governo de Theodore Roosevelt. Era a política do "big stick", onde os países da América Latina que não seguissem as normas de "Tio Sam" estavam sujeitos ao "grande porrete". O grupo alugou um quarto na rua da Pimenta e se passava como artistas de um circo que vinha para a cidade. O assunto teve tanta repercussão que durante semanas era só o que se falava no Brasil. Um famoso jornal norte-americano chegou a publicar a notícia com o título "A invasão do Brasil pelos nossos nove homens".

AR - E na política, dá pra contar uma história interessante envolvendo políticos?
       Vou contar um fato folclórico. Havia um advogado (que prefiro não falar o nome por ser de uma família bastante conhecida) que gostava de beber e de falar muito. Contam que o prefeito João Mangabeira estava na janela quando viu o advogado apontar, bêbado, na esquina. Imediatamente ele entrou e mandou a empregada dizer ao advogado que ele tinha viajado para Salvador. Dito e feito. O advogado bateu na porta e prontamente a empregada fez o mando, dizendo que o Dr. Mangabeira tinha ido para Salvador. Foi quando o advogado soltou a pérola: avisa ao Dr. João Mangabeira pra, quando ele viajar, não botar a cara na janela.

AR - Afinal qual o melhor momento vivido por Ilhéus?
       O melhor momento foi o boom da cacauicultura, dos primeiros anos do século 20 até os anos 50, os anos dourados da década de 50. Depois os problemas foram se avolumando, a fama de riqueza atraiu muita gente. Mas Ilhéus ainda tem o seu lugar, tanto na história como nos atrativos físicos que a cidade oferece.

AR - Depois de escrever tanto, qual a sensação que fica? O senhor cumpriu sua missão?
       Tenho a sensação de que contribui com a história de Ilhéus. Principalmente quando vejo minha obra publicada em bibliografias de obras internacionais. É a sensação de que valeu à pena. E se tivesse que começar, faria tudo novamente.