4 de Setembro de 2004
Arthur Moreira Lima, pianista classico internacional
"Pessoas de diversas classes gostam de boa música"
afirma o pianista Arthur Moreira Lima, que aos seis anos iniciou sua carreira e aos nove já tocava um concerto de Mozart com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Anos depois conquistava o reconhecimento internacional em concursos como o Chopin, de Varsóvia (em 1965), Leeds, na Inglaterra (em 1969), e Tchaikovsky, de Moscou (em 1970).
Publicações internacionais especializadas destacaram suas interpretações e as revistas Répertoire, da França, e Tipptopp, da Suíça, elegeram seu CD com peças de Piazzolla (selo Olympia, 1999), o Disco do Mês. No Brasil, venceu o Prêmio Sharp duas vezes (1989 e 1990). Entre 1998 e 99 a Revista Caras lançou 41 CDs de Arthur Moreira Lima tocando obras de mais de 100 compositores, numa lista que vai de Bach a Bartok, passando por Villa-Lobos, Gnattali e Nazareth.
O projeto "Um Piano pela Estrada" ganhou força a partir de setembro do ano passado, quando sua equipe planejou a complicada logística de levar e tocar, pela primeira vez em várias cidades, um sofisticado piano a bordo de um caminhão, que já visitou mais de 50 cidades. Na semana passada ele se apresentou em Itabuna e Ilhéus em shows que duraram cerca de duas horas, e concedeu uma entrevista exclusiva ao A Região na noite terça-feira, 31.
A Região - Quando surgiu a idéia de levar música clássica para famílias de baixa renda?
Surgiu quando retornei ao Brasil (morou 20 anos fora, principalmente na Rússia ), mas só consegui levar a música clássica para poucas cidades do Rio de Janeiro e Santa Catarina, na década de 80. Nessa época, "Um Piano pela Estrada" era apenas um sonho, por causa da falta de apoio e uma estrutura muito pequena. O veículo que tínhamos só dava para transportar o piano e eu precisava de um espaço maior. Melhorou um pouco quando fui sub-secretário da Cultura na última gestão de Leonel Brizola como governador do Rio. Foi um período em que fiquei pelo interior promovendo espetáculos com o apoio da Secretária.
AR - As apresentações estavam limitadas somente ao Rio de Janeiro?
Sim. Porque elaborar um projeto é uma coisa, comprar equipamentos é outra e o patrocínio para que o trabalho se expandisse foi um troço muito difícil. Conseguir os concertos também foi extremamente difícil. A grande turnê só surgiu no ano passado, quando apresentei o projeto para os Correios e a CEF. Com o apoio dessas instituições é que foi possível levar o espetáculo para diversas cidades.
AR - O senhor já tinha o caminhão adaptado?
Sim. A sala de concerto itinerante começou a ser preparada com a compra de um caminhão Scania ano 2001, modelo 260 P94. O veículo teve seu chassis alongado até atingir 14 metros e foi trucado, ou seja, ganhou um terceiro eixo, para a correta distribuição de peso e maior estabilidade. Seu baú foi especialmente desenvolvido para acomodar a estrutura de palco e camarim, e possibilitar uma rápida montagem e desmontagem.
AR - O senhor faz idéia de quantas cidades já percorreu?
Moradores de mais de 50 cidades do país já assistiram ao espetáculo. Até o final do ano terei dado mais de 100 concertos, assistidos por pessoas das mais diversas classes sociais.
AR - Como o senhor vê esse conceito de que música clássica é só para a elite?
Isso não é realidade, pois as pessoas das mais diversas classes gostam da boa música. O que acontece, na maioria das vezes, é a dificuldade de acesso a um concerto. Às vezes as pessoas com menor poder aquisitivo não têm condições de pagar pelo ingresso ou então a cidade não tem um teatro com pauta com concertos. Com este projeto, quero que todo mundo tenha acesso a um concerto de piano. Além disso, gosto do contato com pessoas simples. Na realidade, o que o projeto faz é tirar a pompa e anexar o brilho. Isso não é um caminhão, é um teatro móvel.
AR - Até um músico internacional como Arthur Moreira Lima tem dificuldades de encontrar apoio para um projeto desse porte?
Quando eu procurava as pessoas para apresentar o projeto elas imaginavam um caminhão similar ao de feira livre, nunca com a estrutura que montamos. Então percebi que havia uma falha de comunicação e aos poucos fui convencendo as pessoas de que se tratava de um grande projeto e hoje "Um Piano pela Estrada" virou sucesso. Estou fazendo apresentações onde jamais imaginei.
AR - Que locais receberem esse projeto?
Já passamos por várias cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e alguns estados do Nordeste. Na Bahia, nos apresentamos em Itabuna, Ilhéus, Vitória da Conquista, Feira de Santana e Lauro de Freitas. "Um Piano pela Estrada" também percorreu todo o Rio São Francisco, da nascente até a foz. Levamos música de concerto a mais de 60 mil pessoas que, em sua maioria, jamais tiveram contato com este universo, sequer viram um piano.
AR - Quais os outros estados que receberão o projeto ainda este ano?
Para este ano está prevista uma série de concertos em Santa Catarina, Ceará, Piauí, Alagoas e estados da região sul do país. Para o ano que vem estão previstas apresentações no Acre, Mato Grosso e outros estados de fronteira.
AR - Como é levar música clássica aos moradores da periferia?
É uma experiência muito boa e uma satisfação enorme em saber que estávamos proporcionando alegria para um monte de pessoas que, mesmo morando na cidade, não tinham dinheiro para ir a um teatro municipal e até outros que, mesmo tendo condições, se sentem mais à vontade quando o espetáculo vai para junto deles.
AR - Como foi se apresentar em lugares tão pobres?
Fui muito bem recebido. Engraçado é que tocando na periferia descobri que mesmo sendo um lugar muito pobre, havia pessoas que compraram discos meus, não sei onde encontraram. Encontrei um rapaz mesmo que disse gostar tanto do estilo de música que tinha vários CDs meus.
AR - Que obras o senhor mais toca e como é escolhido seu repertório?
Com a experiência que adquiri ao longo dos anos, aprendi a escolher o que é mais fácil do povo digerir. No repertório são incluídas obras de Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Beethoven, Mozart, Radamés Gnattali, além de trabalhos de muitos artistas da música popular brasileira. No projeto, só toco clássicos. Mesmo as peças populares que eu toco são clássicos. Ou seja, toco clássicos da música universal e clássicos da MPB. Só que, neste caso, são músicas da MPB que se tornaram clássicos.
AR - Além dessa turnê brasileira, o senhor já se apresentou em quais países?
Entre as localidades para as quais levamos nosso trabalho estão Moscou, Berlin, Viena, Praga, Londres... Também temos gravações nos Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, Japão, Suíça, Bulgária e Polônia.