Opinião
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23 de Outubro de 2004
Fabio Lago, ator, produtor e diretor teatral
"Televisão não é arte. É produto"
diz o ator, produtor e diretor teatral Fábio Lago, que venceu as fronteiras grapiúnas e tem participado de filmes, novelas e seriados da Rede Globo, contracenando com grandes nomes da televisão brasileira. "Cinema sim, é arte".
Apesar de volta e meia estar presente nas telas, Fábio Lago afirma que os convites não surgem por acaso. Segundo ele, a batalha é diária e a cada dia tem que matar um leão, ou seja, tem que levar seu currículo, fazer testes e esperar ser chamado.
De folga na região, Fábio veio rever a família e sua ligação com Ilhéus é tão grande que ele prefere não ficar mais de 15 dias na cidade, com medo de acabar morando para sempre. É a velha briga entre o amor pela cidade e seu sonho de vencer na profissão.
A Região - Foi difícil pra um artista ilheense chegar até a tão sonhada Rede Globo?
Foi e continua sendo difícil. No Rio de Janeiro estão atores do Brasil inteiro a espera de oportunidade e, além da concorrência, há um preconceito muito grande por ser nordestino.
AR - Passada a etapa de ser chamado, o que mais é difícil para um ator nordestino?
O difícil é conseguir anular o sotaque quando é preciso, fazer o sotaque nordestino quando é preciso ou interpretar com o sotaque de outro local. Tem que se adaptar ao mercado.
AR - Você acredita que pode ter um contrato definitivo e participar de novelas da Globo?
Contrato definitivo é ilusão. O máximo que se tem na Globo são dois anos de contrato e isso com atores consagrados. Além do mais, a Rede Globo não é uma empresa estável. Está passando dificuldades como qualquer outra. O que quero é conseguir um personagem bacana, como em Cidade dos Homens. Quando te dão uma oportunidade você consegue mostrar seu trabalho e sua qualidade como ator.
AR - Por que poucos nomes da Bahia conseguem furar essa barreira?
Fernanda Montenegro diz que na carreira de ator 10% é talento e 90% é aptidão, ou seja, é batalha, é estudo, é perseverança, Se você almeja o sucesso e luta pelo seu ideal, com certeza chegará lá. Mas a Globo não é o meu foco final. Meu foco é cinema. Televisão não é arte. É produto. Cinema sim, é arte. A televisão lhe dá uma exposição muito rápida. A TV me usa para vender os produtos dela e eu uso a televisão para me promover.
AR - Você deixou Ilhéus para conquistar o mercado. Você vive da arte?
Eu sempre vivi da arte. Sempre fiz teatro e estive ligado às artes. Sai de Ilhéus com 22 anos e todo o cachê que recebi foi da arte. Fui contra-regra, diretor, assistente de direção, sou ator e sempre tive ligação com a arte e vai ser assim o tempo todo.
AR - Há preconceito dos grandes artistas em relação aos novos ou nordestinos?
Depende. Se eles sabem que você é um ator de teatro, a receptividade é muito boa, mas muitas vezes nem olham na sua cara. Lima Duarte, por exemplo, é um poço de sabedoria. Ele já fez muito pela televisão e recebe os novos atores como se ele tivesse começando naquele momento. Conversa, conta histórias, dá alguns toques, ajuda muito os novos atores.
AR - Você fazia teatro em Ilhéus numa época mágica das artes. O que mudou?
Falta formação. Falta gente como Pedro Mattos. Eu lembro que estudava no Instituto Municipal de Ensino e era secretário do Grêmio Livre. Eu procurei Pedro Mattos e perguntei quanto ele cobraria para dar aulas de teatro para os alunos. Ele disse que dava aulas de graça, contanto que os alunos seguissem a sua metodologia de trabalho, voltada para a persistência e disciplina.
AR - Por que é tão difícil fazer arte em Ilhéus?
O horizonte de Ilhéus é lindo, mas ele aprisiona. Em Ilhéus não dá pra sobreviver de arte porque o público não tem poder aquisitivo para bancar uma temporada de teatro. Por conta disso você não tem atores dedicados somente à sua arte.
AR - Tem que sair de Ilhéus para ser reconhecido?
Tem sim. Somente fora de Ilhéus e da Bahia será possível sobreviver de arte. O próprio mercado da Bahia está saturado. Uma prova disso é que somente alguns espetáculos baianos conseguem ficar uma boa temporada em cartaz.
AR - Você iniciou sua carreira ao lado de Pedro Mattos. Ilhéus perdeu um grande mestre?
Com certeza. Pedrinho era ator, diretor e um apaixonado pelo teatro. Além da vontade de formar artistas, Pedrinho tinha uma bagagem que poucos na Bahia tem. Posso dizer que minha formação de ator com Pedro Mattos foi acadêmica.
AR - Mas apesar dessa contribuição toda, ele não foi pouco reconhecido?
Claro que foi. Quando vim receber o Troféu Jorge Amado, fiz um discurso sobre a importância de Pedro Mattos e perguntei ao prefeito se ele se comprometeria em colocar na praça do teatro o busto de Pedro. Ele se comprometeu, mas não realizou. Procurei o artista Nô Oliveira para fazer o busto de Pedro Mattos e gostaria que fosse colocado dentro do teatro, na praça ou até mesmo na Casa dos Artistas.
AR - Nessas andanças você tem levado o nome de Ilhéus na bagagem?
Eu sempre vou levar. Quando fui fazer participação na novela "Um só Coração", no texto eu tinha que dizer "eu conheço o mar". Na hora de gravar fui além e disse "eu conheço o mar. Nasci em Ilhéus". Onde eu for vou levar sempre o nome de minha mãe, de Pedro Mattos e de Ilhéus.
AR - Há curiosidade por parte dos artistas quando você diz que é de Ilhéus?
Ilhéus teve o seu divulgador maior, Jorge Amado. Apesar disso, as pessoas de fora perderam a referência, porque Ilhéus não tem sido divulgada. Enquanto a cidade não tiver crescimento cultural, vai ficar no esquecimento. A cultura é a referência de uma cidade. Se não trabalhar a cultura, a cidade definha.
AR - Como fica o coração de Fábio Lago, dividido entre a sua cidade e o seu sonho?
Meus amigos estão todos aqui, minha família está aqui, minha filha está aqui, mas ao mesmo tempo eu não quero ficar mais de 15 dias em Ilhéus porque tenho medo de ficar. Ela é acolhedora, mas ao mesmo tempo dá tristeza ver a cultura relegada.
AR - O que está faltando?
Falta as autoridades abrirem os olhos e ver o quanto é importante a cultura para a cidade. É bom lembrar que a iniciativa privada também tem responsabilidade, igual a qualquer governante. Tem que patrocinar os artistas e as produções culturais. É uma negligência dos empresários de Ilhéus achar que não devem patrocinar a cultura. E a culpa é também dos artistas, que não se manifestam. Para que Ilhéus seja um centro de cultura todos têm que abrir os olhos.
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