20 de Dezembro de 2003
Maria José Souza Silva, presidente do CEEMM
"O nosso desafio é baixar o índice de mortalidade"
afirma a presidente do Comitê Estadual da Mortalidade Materna (CEEMM), a médica Maria José Souza Silva, que na semana passada esteve em Itabuna e apresentou dados assustadores sobre a morte por complicações no parto: na Bahia morrem 44 mulheres para cada 100 mil partos. Em alguns estados brasileiros o índice chega a 149/100 mil.
Ela participou do seminário de Comitê de Mortalidade Materna, que contou contou com a participação de secretários municipais de saúde, médicos e profissionais de 18 municípios regionais.
Nesta entrevista ela fala das funções dos comitês regionais. Na Bahia são 210 comitês, sendo 16 hospitalares, 169 municipais e 26 regionais, que têm como função diagnosticar a situação da mortalidade materna no estado e propor normas.
A Região - Qual o objetivo do seminário realizado aqui em Itabuna?
Esse seminário reúne municípios do sul da Bahia, sendo 22 municípios nesta região, dos quais 18 estão presentes, o que é um dado significativo para a proposta do evento. O objetivo é implantar comitês municipais e hospitalares na regional. Já existe o comitê regional de Itabuna, mas estamos reativando, implementando e intensificando suas ações. Esse comitê irá assessorar a implantação dos comitês municipais. Por isso realizamos esse em Itabuna.
AR - Qual a função desses comitês municipais?
Os comitês são organismos interinstitucionais, formado por profissionais de saúde, organizações, conselhos e sociedade civil. Eles têm a meta de identificar óbitos maternos, investigar, analisar e propor medidas de prevenção. Os comitês têm um caráter educativo-construtivo, então a entidade não é punitiva e nem fiscalizadora. Ela é norteadora de atividades, de ações, para a região, o município e o local onde possa ocorrer um óbito. Se percebe que ações básicas, como um pré-natal de qualidade, são uma forma de redução da morte materna.
AR - Quais as principais causas de morte materna?
A primeira causa de morte materna do estado acompanha a do país, que são as doenças hipertensivas, mulheres que têm pressão alta. Depois vêm os casos de hemorragia, infecção e aborto, a nível de estado. Em relação à mulher hipertensa, há a importância de a gestante, na hora em que suspeitar de uma gravidez, buscar um centro de saúde, se inscrever no pré-natal e fazer o acompanhamento durante todo o período gestacional, já identificando o local do parto e só recebendo alta depois dele.
AR - O que qualifica um óbito como sendo materno?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define óbito materno como a morte de uma mulher em decorrência de problemas ligados à gravidez ou por ela agravados, ocorridos no período de gestação ou até 42 dias após o parto. Até os 42 dias, o período que termina o poerpério, essa mulher deve visitar a unidade de saúde onde fez o pré-natal para revisão e o acompanhamento.
AR - Por que, com tanta tecnologia, ainda existe um número tão grande de óbitos maternos?
O que a gente se preocupa é com a prática política e com atitudes, até da própria assistência, em relação aos profissionais de saúde. Tem que se utilizar os recursos tecnológicos como forma de prevenção. Além da tecnologia, se percebe claramente que a humanização da assistência também é um fator importante na qualidade, daí surgiram programas como o PHPN.
AR - O que é o PHPN e qual a sua importância?
É o Programa de Humanização do Pré-Natal e do Parto. É um programa que visa beneficiar a mulher com alterações na assistência à gestante. Esse programa tem a adesão do município, do estado e do Ministério da Saúde. O PHPN dá ao município maior possibilidade de atender a gestante ainda no primeiro trimestre da gravidez e acompanhar todo o período de gestação.
AR - Existe uma idade considerada de maior risco?
Existe, tanto no início como no fim da vida reprodutiva. Tanto a gestante jovem quanto a com mais de 35 anos de idade são consideradas de risco. Mas em relação à morte materna o enfoque não está no início ou no fim da vida reprodutiva. Ele está mais ligado a educação, saúde e qualidade da assistência que essa mulher recebe.
AR - Qual o município que apresenta o maior número de mortes maternas?
No momento não estou com os dados fechados, eles ainda estão sendo consolidados a nível da secretaria. Mas costumo dizer que um único óbito que ocorra, se for analisado e considerado evitável, já tem uma grande magnitude. Então, qualquer que seja o número, mesmo que seja um número menor do que no ano anterior, que esteja decrescendo, ainda é importante que se trabalhe para reduzir a zero o óbito materno. Em dados gerais da Organização Panamericana de Saúde o número de morte materna varia de 50 a 149 para cada mil crianças nascidas vivas.
AR - Houve redução de óbitos após a implantação desses comitês?
A partir de 1996, com a implantação dos comitês, foi intensificada a campanha de alerta, com trabalho de divulgação e seminários de formação. O fato de informar o óbito melhorou o registro, o que existia antes eram subregistros. A mulher morria e esse óbito era registrado como uma causa qualquer, porque às vezes ela não estava no lugar naquele momento e não tinha assistência médica. Hoje, por portaria do Ministério da Saúde, é obrigatória a notificação do óbito materno. Por isso não é possível dizer se houve uma queda ou um aumento no número de óbitos, houve um aumento no número de registros. Mas os dados são consistentes.
AR - Mas não existem campanhas permanentes. Mesmo assim esse trabalho funciona?
Vem funcionando sim. Nós realizamos um trabalho de divulgação, de informação, que não tem tempo determinado para acabar. A implantação de diversos programas sociais, de saúde e educacional têm ajudado bastante. Depois da criação desses comitês, as mulheres têm buscado mais o acompanhamento médico. A campanha contra a mortalidade materna não pode ser feita como uma de intensificação de vacinas, uma vez que o processo de gestação é contínuo e toda mulher em idade fértil com vida sexual ativa pode engravidar.
AR - Qual a função dos hospitais e dos profissionais de saúde nesse contexto?
TCada membro do grupo tem sua ação ou participação. Ele pode ser um grande articulador, um grande educador, porque é um profissional que assiste. Então é importante que a categoria que ele representa, seja médico, enfermeiro ou qualquer outra, conheça as causas de mortes na sua região, até para que possa intervir e adotar medidas de prevenção na comunidade, na unidade de trabalho. Na verdade, conhecer as causas de morte e as medidas de prevenção não são responsabilidade só de quem atende. É responsabilidade de todo cidadão.