3 de Abril de 2004
Moacir Garcia de Menezes, memória "ambulante" de Itabuna
"Sou um homem solitário"
se auto-define Moacir Garcia de Menezes, mais do que um nome, a própria história viva de Itabuna. Itabunense nato, Moacir tem 43 anos de idade completados no último dia 21 de março, mas sua memória, precisa e fantástica, é secular.
Conhece como poucos as raízes históricas de Itabuna, seus pioneiros, as famílias tradicionais que marcaram época e que ainda hoje são lembradas, graças a alguns poucos livros existentes.
Moacir não precisa de livros nem de anotações para lembrar fatos. É uma "biblioteca ambulante" ao narrar datas e casos sem vacilar. Mas quem é essa figura quase anônima que circula pela cidade em passos firmes e largos, que freqüenta assiduamente missas e dispensa eventos sociais, amizades, namoro e esportes? "Sou um homem solitário", ele mesmo define.
A solidão de Moacir foi descoberta ainda menino, quando brincava com seus carrinhos. Daí para a adolescência, preferiu trocar a companhia dos amiguinhos da mesma idade pela dos idosos. "Com eles aprendi muito".
Já aos três anos de idade, em companhia da avó, gostava de ouvir e perguntar sobre a História do Brasil, de Itabuna e de Sergipe, de onde vieram os desbravadores.
Ouvia e sabia responder. Ajudava os dois irmãos nos deveres escolares. A descoberta desse potencial foi um espanto para a família. "Meus pais achavam que eu seria uma sumidade".
Filho caçula do avaliador judiciário José Alves de Menezes (falecido) e de dona Beatriz Souto Garcia de Menezes, Moacir aprendeu as primeiras letras com a professora Márcia Monteiro, na Escola Domingos Bonfim. Cursou até a 8ª série e desistiu de estudar porque sentia falta da casa e por reconhecer ser muito nervoso.
A mágoa revelada
O primário (até a 4ª série) foi feito no extinto Gato de Botas, onde, afirma, mantém até hoje uma grande mágoa da diretora Rita Fontes. "Ela sempre quis saber porque eu saí da escola, pois vai saber agora".
Ele conta, parecendo estar vivendo aquele momento, que sofria muito com "Tia Rita" porque os colegas - filhos de amigos da diretora - aprontavam e ela sempre jogava a culpa nele. "Fui injustiçado e ficava de castigo".
Moacir diz que "nunca podia ir ao banheiro, a não ser nos intervalos. Por isso eu urinava na sala de aula. Até meu sapato tinha que ser preto, 'Vulcabrás', para entrar na escola. Mas outros colegas entravam com sapato de qualquer cor. Também fui suspenso várias vezes".
Leitura e paixões
Moacir diz que gostaria de ter concluído o curso superior. Não teve paciência para a sala de aula, mas nem por isso deixou de estudar sozinho.
Leu muitas coleções, como Barsa, Grandes Personalidades, o Dicionário Lelo, além de livros como "O Brasil dos meus avós" , as histórias de Sergipe e a Universal, História Antiga e Medieval e Geografia Geral e do Brasil. "Sou um apaixonado por história, português e geografia. Só não gosto de matemática".
Pintar, desenhar e escrever são suas verdadeiras paixões. Embora nunca tenha freqüentado um curso de arte, Moacir gosta e sabe desenhar rostos de pessoas conhecidas. Alguns dos trabalhos ele doa, como o do jornalista Manoel Leal, que ele fez em grafite. Outros guarda para si e mostra para uns poucos que conseguem penetrar no seu mundo.
A outra paixão de Moacir é escrever. Já tem dois livros publicados sobre sua árvore genealógica materna e paterna. Hoje está escrevendo "A cartilha histórica de Itabuna" e "O cadastro poético".
Por falta de recursos, segundo conta, deixou de publicar outros livros já concluídos, como o "Nordeste dos Antepassados" e a autobiografia "Memórias de um historiador itabunense".
Moacir, uma pessoa com QI muito acima da média, conhece na pele o preconceito de parcelas da sociedade desde pequeno. Uns não o querem por perto, outros têm medo de sua memória, muitas vezes aguçada pela história pessoal do interlocutor. Muitos o acham diferente.
Mas Moacir se acha diferente dos outros, como alguns falam? Ele também acha que sim, mas isso não o incomoda. No seu mundo, ele é simplesmente... feliz.