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21.Dezembro.2013




Sabara, baterista e professor


“Devo ter uns 65 anos de bateria, desde aprendiz”
sabara afirma Aldamiro Leôncio da Silva, que você só conhece pelo apelido, Sabará. Professor e mentor dos maiores bateristas que passaram pelo sul da Bahia, Sabará, do alto de seus mais de 80 anos, mantém um bom humor e uma simpatia inabaláveis.
      Inteligente e cheio de talento, ele chegou aos 80 anos com o mesmo entusiasmo da juventude. Sabará bateu um papo com o jornalista Marcel Leal no programa Mesa Pra 2 (quartas, 15h) na rádio Morena FM. E contou boa parte da história musical da região. Confira.

Como surgiu o nome Sabará?
       Eu jogava futebol, principalmente nas areias da praia e, paradoxalmente, eu jogava igual a um jogador do Vasco na época que tinha esse nome. Para quem é flamenguista, imagine, tenho carregado esse pseudônimo ao longo da minha vida.

Há quanto tempo você toca bateria?
       Não tenho certeza, mas deve ter uns 58 anos de bateria e como aprendiz já passa de 65 anos.

Você já formou vários bateristas.
       Vamos começar com os que estão lá fora. Tem Bruno, um menino, filho de Picolo, um grande baterista que vive da música. Temos Claudio Kron, que mora há mais de 20 anos na Inglaterra e brilha muito no exterior. Quando vem ao Brasil me visita. Na ultima, me trouxe uma bateria em miniatura.

Tem mais gente na Europa, não?
       Na Itália temos Tadeu Oliveira, cujo pai tocava saxofone em bares. A mãe dele trabalhava no Sitio do Menor e nos aproximou. Ele era muito tímido e tremia quando chegava perto da bateria. Hoje é um grande musico também. Na ultima visita me trouxe uma garrafa de vinho. Eles não me esquecem.

E os ex alunos daqui?
       Em Salvador temos na banda Araketu um baterista que foi nosso aluno. E Tiago Nogueira, que está com Margareth Menezes e é outro grande baterista. Também saiu de nossa escola. Tiago começou com 12 anos de idade, trazido pela minha amiga Gilka, grande pianista.

Como foi sua carreira como baterista?
       Comecei no Rio de Janeiro, no Clube Realengo, ainda novo, e toquei também no Hotel Quitandinha, como percussionista. Toquei com Breno Sauer, um maestro gaúcho espetacular. Vim para Ilhéus e fui contratado para tocar na Boate OK Night Clube.
      Lá havia um baterista chamado Carlito, magérrimo, mas um baterista que me impressionou. Quando o vi tocar fui tomado de uma emoção grande. Mas Valença, Ilhéus e Canavieiras são um celeiro de músicos.
      Eu me lembro do professor Florisvaldo, que tocava nas noites sem olhar para a partitura, um famoso trompetista. Ele foi quem me escreveu as primeira notas para bateria e me ensinou como funcionava.

E depois da boate...
       Ai me apareceu um famoso Germano da Silva, radialista na época que me convidou para tocar em Itabuna. Aqui encontro um músico espetacular, Mimide, grande guitarrista, e João Santos, o tio de Mimide e Vicente.
      Esses músicos se juntaram e formaram um quinteto, Modestia à parte, porque eu fazia parte, tínhamos um trabalho espetacular. Fomos contratados por Sr. Nélson para tocar no Lord Hotel e foi dai que surgiu o Lord Show, na década de 60.
      Fui eu quem contratou o Kokó e ele aceitou de imediato. O Lord Hotel era a sala de visitas de Itabuna, era a melhor sala e tinha uma musica espetacular. É um círculo, porque as coisas boas vão sumindo. Tínhamos também o segundo melhor carnaval da Bahia.

Vamos falar de carnaval. Tivemos a segunda melhor festa da Bahia. Você entende bem de carnaval?
       Sim, já fui jurado e em Itajuípe, por exemplo, tivemos os melhores micaretas do estado. Lá toquei noitadas espetaculares. Eu me pergunto como se perde uma tradição como o carnaval de Itabuna, que já foi um dos melhores.
      Acredito que se a festa voltasse com os afoxés, as escolas de samba, blocos improvisados... Se tivermos a sorte de encontramos gestores para resgatar essa tradição, é uma brincadeira barata, dá para fazer com pouco dinheiro e muita criatividade. Carnaval é alegoria simples.

Voltando à bateria, você nos mostrou um estudo. Explica aí
       A neurociência já mostrou que tocar bateria alivia estresse, fadiga, hipertensão e fluxo sanguíneo, porque é um exercício aeróbico. Crianças que tocam bateria desenvolvem coordenação motora, concentração, autoestima e memorização, porque a musica é uma ciência exata.
      Estou levando esse material para Ilhéus, na Tenda do Teatro Popular, onde darei 18 certificados a mocinhas e rapazinhos que concluíram o curso. Agora estamos lançando o curso para o público da terceira idade, para dar a eles não apenas o aprendizado, mas mobilidade e coordenação.

Como é usar a mão esquerda diferente da direita?
       O fato de se exercitar a mão esquerda para fazer a mesma que a direita chama-se independência dos órgãos. O Tiago Nogueira é canhoto e quando foi meu aluno coloquei para tocar com a esquerda como a mão dependente. Hoje ele conduz a bateria com as duas mãos. É questão de exercício.
      Se você quiser trabalhar a coordenação e independência, consegue. Polirritmia é a combinação de batidas e movimentos diferentes, onde uma mão trabalha independente da outra. Não existe uma só pessoa na face da terra que não possa ser um musico.

Do pessoal com quem você tocou, quem mais te deu prazer de tocar junto?
       Na década de 60 tive prazer de tocar com muitos, cada um com sua maneira e interpretação. Mas um dos grandes foi o Booker Pittman, tocando jazz em Ilhéus. Bateram palmas. Eu não entendo como, porque já tínhamos bebido muito. (risos)

Voce passa a impressão de que você se realizou mais ensinando do que tocando bateria.
       Dei aula no Imeam e para mim cada dia parecia melhor que o outro. Preciso me perguntar o que é indisposição e mau humor. Você foi na mosca, realmente dou aula com vontade incrível e me sinto mal se o aluno não pega. Quero que ele aprenda e brigo por isso.

Você vê diferença entre tocar num show e no estúdio?
       No estúdio se usa mais a dinâmica e no show você tem um PA aberto. Já gravei aqui mesmo na Morena FM, como um dos “fundadores”, toquei aqui. Se você disser para eu entrar num estúdio para gravar, entro sem me preocupar, pois vou tocar com o que tenho em mente.

O que acha da bateria eletrônica?
       Não é bateria para mim. A bateria eletrônica empesteou o mundo da bateria acústica e ela nunca fez a minha cabeça. Não quero ser radical, porque acho válida toda forma de conhecimento, mas fico com a bateria acústica.

Qual a diferença das antigas para as atuais?
       Quase nenhuma. O que muda são os acessórios. Quando comecei esquentava o couro de boi para afinar. Hoje temos uma pele permanente, no inverno ou verão, temos bateria de madeira que você pode botar no gelo e ela toca normalmente.
      Mudou a tecnologia que ajudou os artistas. Eu tocava com um conjunto musical que não tinha PA (retorno) e cheguei em Conquista no final da tarde. Quando cheguei para tocar à noite, a bateria estava fria e não tinha som. Hoje você coloca na geladeira e ela toca.

Quem entra num curso com você, em quanto tempo pode tocar uma música?
       Desenvolvi uma apostila aonde o aluno, já no primeiro dia, vai para a bateria. Descobri que o jovem chega na escola com as baquetas para tocar. Tem que levar um tempo para aprender, então ele aprende a pegar nas baquetas, aprende os tempos e se sente já realizado.
      Muitos já começam a tocar aos seis meses. Comprei um violão, uma caixa de som, escrevo alguns ritmos e começo a formar uma célula rítmica. Alguns deles se sentem músicos. É uma descoberta e isso me realiza.

Precisa ser forte para tocar bateria?
       Precisa sim e não estou falando de músculos, mas de mente. É a técnica que faz desenvolver o processo. Existem músicas que exigem uma pegada mais forte, porque é a própria musica que exige. Eu gosto e ouço de tudo. Todos os ritmos pela necessidade de ouvir.
      Existe uma mistura e talvez por falta de conhecimento as pessoas misturam muito, é preciso ter sensibilidade. O axé, por exemplo, é uma marcha batida, mas muita gente não percebe isso.

Você acha que Itabuna é uma cidade ingrata com suas referências?
       Não podemos bater que Itabuna é uma cidade ingrata, mas faltou há muito tempo pessoas que fizeram o que você fez quando instituiu o Troféu Jupará, que simboliza o reconhecimento aos valores, a arte, ao folclore e a tudo da nossa região.
      O que faltou foram pessoas que valorizassem, reconhecessem e zelasse pelo nosso patrimônio. Quando falo que a cidade está acabada, é isso. Faltaram pessoas do meio para valorizar a história e a cultura. Temos hoje o Jupará e olhamos com orgulho, porque sentimos que fomos reconhecidos.
      Aqueles que deveriam ter feito não fizeram, mesmo com muito mais dinheiro. (A foto é de André Alves)

 

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